
“Em casos envolvendo a prática de homicídio na direção de veículo automotor, havendo elementos indiciários que subsidiem, com razoabilidade, as versões conflitantes acerca da existência de dolo, ainda que eventual, a divergência deve ser solvida pelo Conselho de Sentença, evitando-se a indevida invasão da sua competência constitucional. Informativo 843, do Superior Tribunal de Justiça |
“É cediço que, no procedimento de competência do Tribunal do Júri, a pronúncia encerra o juízo de admissibilidade da inicial acusatória, dispondo o art. 413 do Código de Processo Penal que o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
iNFORMATIVO N.º 843 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Não é necessário que na decisão fique demonstrada de forma cabal a autoria do delito, o que somente ocorrerá num eventual juízo condenatório, mas apenas que se exponha os indícios mínimos de autoria e materialidade, inclusive aqueles angariados em solo policial.
O Supremo Tribunal Federal firmou nova orientação jurisprudencial de que a primeira fase do procedimento do júri constitui filtro processual com a função de evitar julgamento pelo plenário sem a existência de prova de materialidade e indícios de autoria firmados no bojo do processo, o que tornou ilegal a sentença de pronúncia elaborada com base exclusiva nas provas produzidas no inquérito policial
(HC n. 180.144/PI, Relator Ministro Celso de Mello, DJe 22/10/2020).
Recentemente, o Superior Tribunal alinhou-se ao entendimento acima detalhado e passou a entender não ser possível que a pronúncia esteja lastreada tão somente em elementos colhidos na fase inquisitorial.
No caso, o Tribunal de origem entendeu que “a acusação por homicídio doloso, praticado com dolo eventual, tomou por base uma sucessão de fatos, como
(i) a velocidade do veículo, no momento da colisão,
(ii) o fato de o atropelamento ter ocorrido na faixa de pedestres,
(iii) a possível embriaguez do acusado,
(iv) a fuga do local dos fatos,
(v) a anotação de diversas multas por excesso de velocidade, em momentos anteriores, e
(vi) a existência de condenação criminal do acusado, por homicídio culposo, na direção de veículo automotor, em outra oportunidade.”.
Portanto, os fundamentos utilizados pelo Tribunal de origem para manter a pronúncia do agravante indicam a existência de indícios sobre o elemento subjetivo do tipo penal, em razão de múltiplos fatos, que não se restringem à suposta ingestão de bebidas alcoólicas pelo réu.
Dessa forma, a menção aos indícios que aludem à suposta ingestão de bebidas alcoólicas pelo réu foi feita como forma de refutar os argumentos lançados pela defesa, que pretendia ver reconhecida, nesta fase, a modalidade culposa.
Com efeito, consoante reiterados pronunciamentos do Superior Tribunal de Justiça, o deslinde da controvérsia sobre o elemento subjetivo do crime, especificamente se o acusado atuou com dolo eventual ou culpa consciente, fica reservado ao Tribunal do Júri, juiz natural da causa, no qual a defesa poderá exercer amplamente a tese contrária à imputação penal.
Assim, havendo elementos indiciários que subsidiem, com razoabilidade, as versões conflitantes acerca da existência de dolo, ainda que eventual, a divergência deve ser solvida pelo Conselho de Sentença, evitando-se a indevida invasão da sua competência constitucional.
Legislação Penal sobre o Crime de Trânsito – Homicídio Culposo
Praticar Homicídio Culposo na Direção de Veículo Automotor Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. § 1º No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente: I – não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; II – praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; III – deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do sinistro; IV – no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros. V – Revogado § 2º – Revogado § 3o Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Penas – reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. |