Magistratura Estadual – Concurso: TJRR – Ano: 2008 – anca: FCC – Disciplina: Direito Penal – Crimes Contra a Fé Pública.
Tipifique a conduta do agente que subtrai folha de cheque pertencente a outrem e, após falsificar a assinatura do correntista, utiliza o título (estelionato) na compra de determinado bem, obtendo assim, vantagem ilícita em prejuízo alheio.
Indique o princípio aplicável para a solução da questão.
RESPOSTA
Em tese, o autor do fato teria praticado 03(três) crimes:
1) Furto (subtração da folha de cheque);
2) Falsificação de documento público (falsificação da assinatura do correntista);
3) Estelionato (utilização do título na compra do bem).
Inicialmente, deve o aluno observar, para a correta tipificação penal, se os crimes acima foram praticados em momentos fáticos distintos, com violação a bens jurídicos tutelados diversos.
Para correto entendimento, trago à baila controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre o tema:
O Superior Tribunal de Justiça adota o entendimento de que o estelionato absorve a falsidade, quando este foi o meio fraudulento empregado para a prática do crime-fim, o estelionato.
Não por outro motivo que o STJ editou a Súmula 17, in verbis:
“Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”.
In casu, de acordo com a questão da prova, houve subtração de uma única cártula (folha de cheque), utilizado como meio de fraude para a prática do crime de estelionato. Furto da folha de cheque consumado, e, em seguida, momento posterior, a prática do crime de falsificação de assinatura, por exemplo, e uso da folha de cheque como meio para o crime de estelionato. Percebam que os momentos fáticos estão distanciados no tempo.
Assim, ao utilizar-se a única folha de cheque, como meio para o crime de estelionato, o falso exauriu-se no estelionato, não podendo ser utilizado novamente.
FERNANDO CAPEZ, in verbis:
A fraude, portanto, esgotou-se no crime de estelionato.
Se, pelo contrário, a falsidade for apta à prática de outros crimes, afasta-se a incidência da súmula mencionada, havendo o concurso de crimes, por exemplo, carteira de identidade falsificada.
Para esta posição doutrinária, o agente responde pelo CRIME DE FURTO e ESTELIONATO.
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal sustenta a posição que há concurso formal de crimes, nos termos do Art. 70, do Código Penal.
Concurso formal
Art. 70 – Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade.
As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.
Parágrafo único – Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código
Para esta corrente, a conduta do agente amolda-se aos crime dos Art. 155, caput, do Código Penal – FURTO e FALSIDADE MATERIAL.
Prosseguindo, há entendimento de que se trata de Concurso Material de Crimes, nos termos do Art. 69, do Código Penal, vez que a falsificação de documento público (folha de cheque) e o crime de estelionato ocorreram em momentos fáticos distintos.
Caso contrário, CRIME ÚNICO:
FERNANDO CAPEZ, in verbis:
Entendemos que tudo depende da existência ou não de um só contexto fático.
Se a potencialidade lesiva do falso se exaurir no estelionato, como, por exemplo, no caso do agente que falsifica uma folha de cheque e a entrega a um comerciante, o qual, iludido, sofre prejuízo, não há como deixar de reconhecer a existência de crime único.
Com efeito, o fólio falsificado não poderá ser empregado em nenhuma outra fraude, até porque não está mais na posse do agente, mas com a vítima, ficando evidente que a falsificação foi um meio para a prática do delito-fim, no caso, o estelionato.
Correta, portanto, a posição do STJ.
Entendo que haveria concurso material de crimes entre o CRIME DE FURTO, FALSIDADE MATERIAL e o CRIME DE ESTELIONATO.
Concurso material
Art. 69 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.
§ 1º – Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código.
§ 2º – Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais.
Segundo Damásio, sob o aspecto doutrinário, trata-se de concurso material de crimes e não de concurso formal, pois “o concurso formal exige unidade de conduta (CP, art. 70).
Na espécie, existe pluralidade de comportamentos (da falsificação e do estelionato), normalmente distanciados no tempo.
Suponha-se que o sujeito falsifique o objeto material em janeiro e engane a vítima em dezembro: como considerar a presença de uma só ação?”
Por fim, tem-se o entendimento de que o Crime de Falso em documento público, cuja pena é superior à do Crime de Estelionato, absorve este, com fundamento no Princípio da Consunção.
FERNANDO CAPEZ conceitua o Princípio da Consunção, in verbis:
Consunção — “Lex Consumens Derogat Consumptae”
Conceito de consunção: é o princípio segundo o qual um fato mais amplo e mais grave consome, isto é, absorve, outros fatos menos amplos e graves, que funcionam como fase normal de preparação ou execução ou como mero exaurimento. Costuma-se dizer: “o peixão (fato mais abrangente) engole os peixinhos (fatos que integram aquele como sua parte)”.