![](https://www.coachronaldoentringe.com.br/wp-content/uploads/2023/10/yyyyydownload-1.jpeg)
O mero porte de CRLV falsificada na condução de veículo automotor, sem a apresentação pelo condutor no momento da abordagem, não tipifica o crime de uso de documento falso, previsto no art. 304 do Código Penal. Informativo 834, do Superior Tribunal de Justiça |
Cinge-se a controvérsia em definir se, em razão da obrigatoriedade do porte de Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV) – estabelecida no art. 133 do CTB -, é típica a conduta de conduzir veículo na posse de CRLV falso, ainda que não tenha sido apresentando pelo condutor quando da abordagem por agente público.
iNFORMATIVO N.º 834 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Conforme o art. 304 do CP, apenas a ação do agente que deliberadamente utiliza de documento falso é apta a caracterizar o tipo penal em referência.
Uso de documento falso
(Grifo nosso) Art. 304 – Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:
Pena – a cominada à falsificação ou à alteração.
Sobre o tema, a jurisprudência desta Corte já se manifestou no sentido de que “A simples posse de documento falso não basta à caracterização do delito previsto no art. 304 do Código Penal, sendo necessária sua utilização visando atingir efeitos jurídicos. O fato de ter consigo documento falso não é o mesmo que fazer uso deste”
(REsp 256.181/SP, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ de 1º/4/2002).
Com efeito, em observância ao princípio da legalidade (art. 1º do CP) é vedada ampliação do tipo penal, de modo a contemplar verbo ou conduta não elencada na norma penal, sendo certo que a previsão contida no art. 133 do Código de Trânsito Brasileiro – no sentido da obrigatoriedade do porte de Certificado de Licenciamento Anual – consubstancia norma de índole administrativa, inapta a alterar o tipo penal em referência, providência que dependeria do advento de norma penal em sentido estrito.
(Grifo nosso) Art. 133. É obrigatório o porte do Certificado de Licenciamento Anual.
Parágrafo único. O porte será dispensado quando, no momento da fiscalização, for possível ter acesso ao devido sistema informatizado para verificar se o veículo está licenciado.
A adoção de interpretação em sentido contrário, além de violar o princípio da legalidade, também vulneraria o princípio da ofensividade, pois o mero porte de documento falso, sem dolo de uso, não ofende o bem jurídico tutelado pela norma penal (fé pública)
nem mesmo remotamente.
Em sede doutrinária, temos a divergência acima pontuada pelo eminente Doutrinador Fernando Capez, in verbis:
Fernando Capez nos informa a divergência existente na Doutrina Nacional, in verbis:
Importa aqui perquirir em que consiste o uso. Há duas posições na doutrina:
1ª posição: a) é a saída do documento da esfera individual do agente, de forma a iniciar uma relação com outra pessoa, seja em juízo ou fora dele, por exemplo, apresentar certidão de divórcio falsa para o funcionário do Cartório de Registro Civil. Para essa corrente, não é necessário que o documento seja empregado de acordo com sua específica destinação probatória.
Exemplifica Noronha: “Tanto usa documento falso quem o apresenta ao pseudodevedor para receber o pagamento, como quem o entrega em cartório para reconhecimento da firma. Neste último caso, é
evidente que existe violação da fé pública”;2ª posição: b) é o emprego do documento de acordo com sua destinação probatória. Para essa
corrente, não basta que o documento saia da esfera individual de seu portador e inicie uma relação com outrem, pois é necessário também que o documento seja utilizado de acordo com o fim a que
ele se destina.Com efeito, afirma Damásio: “Usar documento falso significa empregá-lo em sua finalidade probatória especial, i. e., empregá-lo como prova do fato de importância jurídica a que diz
respeito, como se fosse verdadeiro”.Citemos um exemplo colacionado na jurisprudência em que esse emprego não ocorre: agente que utiliza CNH falsa, documento destinado a provar a capacidade para habilitar veículos, como documento de identificação pessoal;
De qualquer forma, não basta o simples porte do documento. Enquanto este não é apresentado pelo agente a terceiros, encontrando-se guardado, por exemplo, em sua residência, em sua bolsa ou no bolso de sua calça, não há falar em uso e, portanto, em ofensa ao bem protegido pela norma penal.
No exato instante em que o portador do documento falso retira-o do bolso ou da carteira e o entrega a terceiro há a configuração do tipo penal.
Fernando Capez, Volume 3