
O animus jocandi, em contexto de show de stand up comedy, exclui o dolo específico de discriminação e afasta a tipicidade da conduta prevista no art. 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Informativo 832, do Superior Tribunal de Justiça |
Caso adaptado: Em um show de stand-up comedy, um humorista fez uma piada de cunho sexual envolvendo uma pessoa cadeirante, o que levou à abertura de um inquérito policial para investigar possível crime de discriminação contra pessoa com deficiência, previsto no art. 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Art. 88. Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.). A defesa do humorista impetrou habeas corpus buscando o trancamento do inquérito, alegando ausência de dolo específico de discriminar. O STJ concedeu a ordem para trancar o inquérito policial, entendendo que o contexto de stand-up comedy indica a presença de animus jocandi (intenção de brincar), o que exclui o dolo específico necessário para a configuração do crime de discriminação. O encerramento prematuro da ação penal ou do inquérito policial é medida excepcional, cabível apenas quando comprovada, de forma inequívoca e sem incursão probatória, a atipicidade da conduta, a inépcia da denúncia, a absoluta ausência de provas de materialidade ou indícios de autoria, ou a existência de causa extintiva de punibilidade. No caso, o contexto do ato investigado, realizado em um show de stand up comedy, evidenciou ausência de dolo específico para incitar discriminação, prevalecendo o animus jocandi. O dolo de discriminação, imprescindível para configuração do crime, não foi minimamente indicado, tornando inadequada a instauração do inquérito. A exclusão do elemento subjetivo pelo animus jocandi afasta a tipicidade da conduta. STJ. 5ª Turma.AgRg no RHC 193.928-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 16/9/2024 (Info 832). |
O encerramento prematuro da ação penal, bem como do inquérito policial, é medida excepcional, admitido apenas quando ficar demonstrada, de forma inequívoca e sem necessidade de incursão no acervo probatório, a atipicidade da conduta, a inépcia da denúncia, a absoluta falta de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria, ou a existência de causa extintiva da punibilidade.
iNFORMATIVO N.º 832 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
No caso, o inquérito policial foi instaurado para verificar se o acusado durante um show de comédia, ao contar uma piada sobre cadeirante, incidiu na conduta descrita no art. 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o qual dispõe que é crime “Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência”.
Com efeito, o contexto retratado não revela por si só o dolo específico, mas, ao contrário, sua ausência.
O fato de se tratar de um show de stand up comedy já denota a presunção do animus jocandi, sendo necessário, portanto, elementos no mínimo sugestionadores do dolo específico de discriminação, para que seja possível instaurar um inquérito, o que não se verifica na hipótese.
“Não há dúvida de que se trata de conduta em que o animus jocandi se fez presente […]” (QC 2/DF, Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, DJe de 23/8/2023).
“[…] a mera intenção de caçoar (animus jocandi), de narrar (animus narrandi), de defender (animus defendendi), de informar ou aconselhar (animus consulendi), de criticar (animus criticandi) ou de corrigir (animus corrigendi) exclui o elemento subjetivo e, por conseguinte, afasta a tipicidade […]”.
(HC 234.134/MT, Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe de 16/11/2012).