Homicídio Culposo admite Continuidade Delitiva?
Capez, nos ensina que, in verbis:
Homicídio Culposo e Continuidade elitiva. Os crimes culposos admitem a continuidade delitiva, embora haja controvérsia na doutrina.
Assim, o enfermeiro que, por descuido, diariamente ministra doses de medicamento trocado aos seus pacientes, vindo estes a falecer por não receberem a medicação própria, responderá por homicídio culposo em continuidade delitiva.
Guilherme de Souza Nucci, in verbis:
Crime continuado e Delito Culposo: adotada a Teoria Objetiva Pura, como ocorre no art. 71 do Código Penal, não se exigindo unidade de desígnio para a concretização do delito continuado, é perfeitamente admissível a continuidade no contexto dos crimes culposos (onde não há resultado desejado pelo agente).
Em sentido oposto, mas por expressa previsão legal, na Itália, a jurisprudência unanimemente exclui a possibilidade de continuidade delitiva nos crimes culposos, pois é inadmissível e ilógica a existência de unidade de desígnio (cf. ROBERTA RISTORIA, Il reato continuato, p. 17).
Com sua simplicidade e enorme conhecimento jurídico, Fernando Capez responde à pergunta acima, in verbis:
Crime continuado entre delitos culposos: é possível, desde que sejam crimes da mesma espécie.
…
É possível sustentar a continuidade delitiva no crime culposo, sem abrir mão da exigência do elemento subjetivo, o qual, no caso, consiste na vontade de continuar agindo culposamente, mesmo após o primeiro crime.
É o caso, por exemplo, de um motorista idoso que, após atropelar culposamente uma vítima na região central de São Paulo, assustou-se e resolveu empreender fuga em velocidade incompatível com o local, vindo a provocar novos acidentes. Além da similitude das condições de tempo, lugar e modo de execução, houve vontade de prosseguir nas ações descuidadas.
Devemos lembrar que, no crime culposo, embora o resultado não seja querido, a conduta é voluntária (ninguém obriga o sujeito a agir culposamente, ele o faz porque quer).
Primeiramente, vamos a Natureza Jurídica do instituto da Continuidade Delitiva.
Como é cediço, a doutrina nos ensina que, por uma Ficção Jurídica, a prática de vários crimes, desde que obedeça aos seus requisitos, deve ser tratado como Crime Único.
Adotou-se, portanto, que Crime Continuado é uma Ficção Jurídica. Assim sendo, ocorrendo uma pluralidade de delitos, o legislador entendeu por bem tratá-lo como crime único, mas apenas e unicamente para fins de sanção penal.
Prosseguindo, aproveitando o exemplo do ilustre doutrinador Fernando Capez, imagine que um enfermeiro, por descuido, ministre diariamente doses de medicamento trocado aos seus pacientes, vindo todos eles à óbito, por não receberem a medicação própria.
Logo, teria o enfermeiro praticado Crime de Homicídio Culposamente, em continuidade delitiva, senão vejamos:
- os crimes são da mesma espécie, sim;
- as condições objetivas (tempo, lugar, modo de execução e outras) são semelhantes, sim;
- a depender da teoria que se adote, pode-se exigir unidade de desígnio ou não.
Há quem sustente o entendimento de que somente é possível a Continuidade Delitiva no Homicídio Culposo se se adotar a Teoria Objetiva Pura.
Vamos entender as 02(duas) teorias que se digladiam sobre o tema!
Segundo a Teoria Objetiva-Subjetiva, ao agente é exigido Unidade de Desígnio, ou seja, vontade em praticar os crimes em continuidade delitiva.
Segundo Cleber Masson, in verbis:
Reclama-se também a unidade de desígnio, isto é, os vários crimes resultam de plano previamente elaborado pelo agente. É a posição adotada, entre outros, por Eugenio Raúl Zaffaroni, Magalhães Noronha e Damásio E. de Jesus, e amplamente dominante no âmbito jurisprudencial.
…
“É assente na doutrina e na jurisprudência que não basta que haja similitude entre as condições objetivas (tempo, lugar, modo de execução e outras similares).
É necessário que entre essas condições haja uma ligação, um liame, de tal modo a evidenciar-se, de plano, terem sido os crimes subsequentes continuação do primeiro.
De acordo com o entendimento de Fernando Capez, in verbis:
“Há quem defenda que é inadmissível crime continuado sem a vontade de praticar os delitos em continuação, pois do contrário se estaria equiparando a continuidade delitiva à habitualidade no crime.”
Ainda, segundo, Damásio, “… para a configuração do crime continuado não é suficiente a satisfação das circunstâncias objetivas homogêneas, sendo de exigir-se, além disso, que os delitos tenham sido praticados pelo sujeito aproveitando-se das mesmas relações e oportunidades ou com a utilização de ocasiões nascidas da primitiva situação”.
Por outro lado, segundo a Teoria Puramente Objetiva, é dispensável a vontade de praticar os delitos em continuação delituosa, aproveitando-se das mesmas condições antecedentes, basta, portanto, que estejam presentes as condições de natureza objetiva. Portanto, para existência de Crime Continuado desnecessário se faz perquirir se está presente a vontade de praticar os delitos em continuação.
Trazemos, ainda, o escólio de Cleber Masson, in verbis:
Teoria Objetiva Pura ou Puramente Objetiva: Basta a presença dos requisitos objetivos elencados pelo art. 71, caput, do Código Penal.
Sustenta ainda que, como o citado dispositivo legal apresenta apenas requisitos objetivos, as “outras semelhantes” condições ali admitidas devem ser de natureza objetiva, exclusivamente.
…
Em suma, dispensa-se a intenção do agente de praticar os crimes em continuidade.
É suficiente a presença das semelhantes condições de índole objetiva. É a posição, na doutrina, de Roberto Lyra, Nélson Hungria e José Frederico Marques.
E quais seriam as Condições de índole Objetivas?
1) Pluralidade de Condutas: Exige-se a prática de mais de uma ação ou omissão.
2) Pluralidade de Crimes da Mesma Espécie: Não há consenso na doutrina e a jurisprudência.
Para uma Corrente de Pensamento, presente no Superior Tribunal de Justiça, crimes da mesma espécie são aqueles tipificados pelo mesmo dispositivo legal, consumados ou tentados, seja na forma simples, privilegiada ou qualificada.
No entanto, para uma Segunda Corrente de Entendimento, do qual são partidários, entre outros, Manoel Pedro Pimentel, Basileu Garcia e Heleno Cláudio Fragoso, crimes da mesma espécie aqueles que tutelam o mesmo bem jurídico, ainda que não previstos no mesmo tipo penal. Exemplificativamente, furto mediante fraude e estelionato, ora crimes contra o patrimônio, são da mesma espécie.
3) Conexão Temporal: Aqui, o Código Penal estabelece que as condições de tempo sejam semelhantes. Segundo a doutrina, não se admite um intervalo tempo excessivo entre um crime e outro, tendo a jurisprudência estabelecido, como critério objetivo, um intervalo de tempo não superior a 30(trinta) dias entre um crime e outro.
4) Conexão Espacial: Firmou-se na jurisprudência que os crimes devem ser praticados na mesma cidade ou em cidades contíguas, próximas entre si.
5) Conexão Modal: Entende-se que deve haver uma semelhança no modo de execução do crime.
Importante destacar os exemplos trazidos por Cleber Masson, in verbis:
Um furto praticado por meio de escalada e outro efetuado com rompimento de obstáculo, por exemplo, malgrado compreendidos como crimes da mesma espécie, impedem a continuidade delitiva, em face do distinto modo de execução.
Pelo mesmo motivo, a variação de comparsas e o fato de o agente praticar um crime isoladamente e outro em concurso inviabilizam a configuração do crime continuado.
Conexão Ocasional: A doutrina e jurisprudência sustentam o entendimento de que a expressão “outras semelhantes” sugere que o agente pratica os crimes posteriores aproveitando-se das mesmas condições proporcionadas pela prática dos crimes anteriores.
Fernando Capez, in verbis:
Alguns julgados têm entendido que o aproveitamento das mesmas oportunidades e das mesmas relações pode ser incluído no conceito de “condições semelhantes”.
Assim, segundo essa orientação jurisprudencial, para o reconhecimento do Crime Continuado, além da conexão espacial, temporal e modal, exige-se a Conexão Ocasional, ou seja, deve o agente praticar o delito subsequente aproveitando-se das mesmas oportunidades ou relações nascidas com o delito antecedente.
Trata-se de mais um requisito objetivo para a configuração do Delito Continuado.
Por ora é isso, Pessoal!