
Publicado no Informativo n.º 854 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
” Eventual ilegalidade na execução da revista íntima incidental à busca domiciliar não acarreta, por derivação, a nulidade das provas apreendidas na busca realizada na residência.”
A essência da teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree), de origem norte-americana, consagrada no art. 5º, LVI, da Constituição Federal, proclama a mácula de provas supostamente lícitas e admissíveis, obtidas, porém, a partir de provas declaradas nulas pela forma ilícita de sua colheita.
FONTE: Superior tribunal de justiça
A inadmissibilidade das provas derivadas das ilícitas, todavia, não se estende a todas as provas do processo.
Tendo em vista o disposto no art. 157, § 1º, parte final, e § 2º, do CPP – que consagram exceções concebidas também no direito norte-americano – é necessário averiguar
(a) se a prova ilicitamente obtida seria inevitavelmente descoberta de outro modo (inevitable discovery), a partir de outra linha legítima de investigação, ou
(b) se tal prova, embora guarde alguma conexão com a original, ilícita, não tem relação de total causalidade em relação àquela, pois outra fonte a sustenta (independent source).
No caso, policiais civis compareceram à residência da acusada para cumprir mandado de busca domiciliar.
Durante a execução do mandado, policiais femininas realizaram revista íntima na acusada. Na delegacia de polícia e no estabelecimento penal, foram realizadas mais duas revistas íntimas. Nenhuma prova foi apreendida em decorrência das revistas íntimas.
Na residência, por sua vez, apreenderam-se drogas, dinheiro e pesticidas.
Conforme pontuado pelas instâncias ordinárias, são ilícitas as três revistas íntimas a que foi submetida, desnecessária e injustificadamente, a acusada, de modo a configurar grave violação à dignidade da pessoa humana por agentes de Estado.
Entretanto, a despeito da manifesta gravidade da ilicitude das três revistas íntimas, tal ilicitude não tem por consequência a inadmissibilidade de todas as provas colhidas durante a execução do mandado de busca domiciliar, em razão da inexistência de nexo de causalidade entre o meio de obtenção de prova declarado ilícito e as provas mencionadas.
Com efeito, para a definição das provas inadmissíveis em razão da ilicitude dos meios de obtenção empregados, é necessário, à luz do art. 157, § 1º, do CPP, verificar a existência de nexo de causalidade entre o meio de obtenção de prova declarado ilícito e as provas produzidas nos autos.
Como reconheceu o Tribunal de origem, nenhuma prova foi apreendida em decorrência das revistas íntimas – seja daquela realizada incidentalmente à busca domiciliar, seja daquelas realizadas posteriormente, na delegacia de polícia e no estabelecimento penal.
Todas as provas constantes nos autos foram localizadas durante a busca na residência, de modo que não há nenhum nexo causal entre a apreensão das provas localizadas na residência e as revistas íntimas declaradas ilícitas.
Além disso, a inexistência de nexo causal entre as revistas íntimas ilícitas e as provas apreendidas pode ser mais bem evidenciada a partir de um juízo hipotético de eliminação, típico da apuração da causalidade simples (causa como conditio sine qua non do evento): se as revistas íntimas não tivessem sido realizadas, ainda assim as provas incriminatórias (as drogas, o dinheiro e os pesticidas) teriam sido produzidas, pois elas foram encontradas no interior na residência (em decorrência da busca domiciliar), e não no corpo da acusada (em decorrência das revistas íntimas).
Ademais, mesmo em relação à revista íntima realizada no interior da residência, vale destacar que, de acordo com o art. 244 do CPP, é admissível a execução de busca pessoal incidental à busca domiciliar, independentemente de mandado prévio.
Todavia, eventual ilegalidade na execução da busca pessoal incidental não acarreta, por derivação, a ilegalidade de toda a busca domiciliar.
Assim, embora sem ignorar ou mesmo mitigar a gravidade da ilicitude verificada no caso, é imperativo reconhecer que são admissíveis as provas derivadas da busca domiciliar, pois não derivadas das revistas íntimas ilícitas, na forma do art. 157, § 1º, do CPP.
Da legislação sobre o tema:
Art. 5º, da Constituição da República: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
…
LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos
Art. 157, do Código de Processo Penal: São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
Art. 244, do Código de Processo Penal: A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.