Olá, pessoal!
Uma ótima questão! Vale a pena conferir!
Antônio, Roberto e Manoel, juntamente com o adolescente Jailson, resolveram assaltar uma joalheria instalada no interior de um Shopping. Dirigiram-se para o local os indiciados Antônio e Roberto em companhia do adolescente. Quando chegaram ao estacionamento do Shopping, ao acaso se depararam com o sócio-proprietário da joalheria, José Carlos, que pretendiam assaltar.
Foi então que decidiram sequestrar a mencionada vítima, o que foi feito com emprego de arma de fogo que era portada por Roberto. Conduziram a vítima até a residência de Manoel, primo de Roberto, onde o colocaram a par da empreitada criminosa que estavam realizando, tendo Manoel concordado em auxiliá-los, conduzindo a vítima até o quarto onde ela ficou imobilizada.
Em seguida, fizeram contato com José Diógenes, sócio de José Carlos, que concordou em levar ao lugar ermo indicado pelos indiciados a importância de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), como condição para libertar a vítima sequestrada. Para o local combinado se dirigiu apenas o indiciado Roberto portando um revólver calibre .38, com numeração raspada.
Ao perceber que José Diógenes o reconhecera em razão de um acidente de trânsito anteriormente ocorrido, Roberto sacou da arma que portava e fez vários disparos contra ele que, entretanto, não veio a ser atingido. Dois disparos feitos, no entanto, atingiram a pessoa de Carlos que acompanhava José Diógenes ao local, causando-lhe a morte.
A importância não foi levada e todos acabaram detidos pela polícia exatamente 24 (vinte e quatro) horas após o sequestro. A vítima foi liberada, sendo certo que local onde ela se achava privada de sua liberdade foram apreendidos 80(oitenta) papelotes de cocaína e uma balança de precisão.
Considerando os dados fornecidos, indique, fundamentadamente, o crime ou os crimes praticados pelos indiciados.
RESPOSTA: Inicialmente, constata-se que os indivíduos, Antônio, Roberto e Manoel, praticaram os crimes de:
a) EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO – Art. 159, parágrafo 1º, do Código Penal;
b) TRÁFICO DE DROGAS – Art. 33, caput, da Lei de Drogas;
c) CORRUPÇÃO DE MENORES – Art. 244-B, caput, do ECA.
Em relação ao inimputável, Jailson, praticou atos infracionais análogos aos crimes de:
a) EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO – Art. 159, parágrafo 1º, do Código Penal e
b) TRÁFICO DE DROGAS – Art. 33, caput, da Lei de Drogas.
Especificamente, em relação à Roberto, além dos crimes acima, praticou também os crimes de HOMICÍDIO QUALIFICADO – Art. 121, parágrafo 2º, inciso II, do Código Penal e o previsto no Art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei de Armas, ambos N/F do Art. 69, do Código Penal – CONCURSO MATERIAL DE CRIMES.
COMENTÁRIOS: Quanto ao crime de EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO, pedimos venia para ressaltar algumas particularidades.
CONSUMAÇÃO:
Primeira de que a consumação ocorre com a privação da liberdade da vítima com intuito de obter vantagem econômica, como condição para a sua liberdade. Ressaltando, que a consumação ocorrer com a privação de liberdade da vítima e a exteriorização da intenção do agente em manter a vítima em liberdade até o pagamento do resgate pela família ou amigos.
A intenção exteriorizada pelo agente em obter a a vantagem econômica é condição sine qua non para a consumação deste delito, caso contrário, poderá restar caracterizado outro crime, a depender da finalidade, como por exemplo, o crime do Art. 148, parágrafo primeiro, inciso IV, do Código Penal – SEQUESTRO OU CÁRCERE PRIVADA PARA FINS LIBIDINOSOS ou mesmo o crime do Art. 148, caput, do Código Penal – SEQUESTRO OU CÁRCERE PRIVADO, se não houver finalidade alguma.
Em resumo:
a) SEQUESTRO OU CÁRCERE PRIVADO na modalidade simples – Art. 148, caput, do Código Penal – Se não houve finalidade alguma por parte do sequestrador;
b) SEQUESTRO OU CÁRCERE PRIVADA PARA FINS LIBIDINOSOS na modalidade qualificada – Art. 148, parágrafo primeiro, inciso IV, do Código Penal – se a finalidade do sequestro é para satisfazer a própria lascívia mediante a prática de atos libidinosos contra a vítima;
c) EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO – Art. 159, parágrafo 1º, do Código Penal – se a finalidade exteriorizada pelo agente visa obter vantagem econômica como condição para por a vítima em liberdade.
Vejam, o que distingue um crime de outro é a FINALIDADE EXTERIORIZADA pelo infrator.
Atentem para a doutrina de FERNANDO CAPEZ, in verbis:
Basta comprovar-se a intenção do agente de obter a vantagem como condição ou preço do resgate, o que se faz por intermédio das negociações entre o sequestrador e os parentes da vítima, via telefone, quanto às condições ou preço do resgate; ou então por meio de mensagens escritas enviadas pelos sequestradores.
Não comprovada essa intenção, o crime poderá ser outro (sequestro ou cárcere privado etc.). Dessa forma, se o agente não entrar em contato com os parentes da vítima para negociar a condição ou o preço do resgate, é de supor, no caso, que a intenção dele era outra, por exemplo, vingar-se da vítima.
TENTATIVA
Prosseguindo, no que diz respeito à TENTATIVA, ela ocorre quando o agente não consegue obter a privação da liberdade da vítima por circunstâncias alheias à sua vontade. Nesse sentido, trago à baila o ensinamento do ilustre doutrinador FERNANDO CAPEZ, in verbis:
Dessa maneira, se o agente não logra privar a vítima de sua liberdade de locomoção por circunstâncias alheias à sua vontade, provada a sua intenção específica de obter vantagem econômica, haverá o crime de tentativa de extorsão mediante sequestro.
Por exemplo, no momento em que a vítima está sendo levada para o veículo do sequestrador, este é interceptado pela Polícia, vindo o agente a confessar posteriormente que pretendia com tal ação obter vantagem como condição ou preço do resgate.
Observem, no exemplo dado pelo doutrinador FERNANDO CAPEZ, que a INTENÇÃO EXTERIORIZADA provada é a pedra de toque que distingue o crime de EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO dos demais crimes acima mencionados.
ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
Na questão da prova há informação de que os infratores, juntamente com um inimputável, planejaram um roubo a uma joalheria, APENAS. Não há informações de que planejaram praticar diversos crimes, motivo pelo qual não respondem pelo crime de ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA, que possui como elemento subjetivo do tipo penal o ESPECIAL FIM DE AGIR a prática de crimes, REITERADAMENTE.
Como exemplo, associar-se de forma ESTÁVEL e PERMANENTE para prática de diversos crimes de ROUBO em CONTINUIDADE DELITIVA.
Associação Criminosa
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Em sede doutrinária, trazemos o entendimento do ilustre FERNANDO CAPEZ, in verbis:
Exige-se, portanto, um vínculo permanente, constante, para a prática reiterada de crimes, ou seja, para a concretização de um programa delinquencial.
Não é necessário para a comprovação da estabilidade da associação que haja uma organização estrutural, isto é, uma hierarquia entre seus membros, com papéis previamente estabelecidos para cada um
TRÁFICO DE DROGAS
Pelo que se depreende da questão da prova, verifica-se que na casa, para onde a vítima foi levada, foram encontrados 80(oitenta) papelotes de COCAÍNA e uma BALANÇA DE PRECISÃO. Salienta-se que a quantidade de drogas acondicionadas em papelotes e uma balança de precisão constituem-se de fortes indícios de traficância. Estas duas circunstâncias nos dão conta de que o tráfico de drogas era realizado de forma reiterada, como habitualidade.
CORRUPÇÃO DE MENORES
Indubitavelmente, Antônio, Roberto e Manoel praticaram o crime de CORRUPÇÃO DE MENORES – Art. 244-B, do ECA, pelo fato de terem cometidos os crimes de EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO e TRÁFICO DE DROGAS em companhia de um inimputável, ora Joilson.
Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Parágrafo 1º: Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali tipificadas utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da internet.
Parágrafo 2º: As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço no caso de a infração cometida ou induzida estar incluída no rol do artigo 1º da Lei n.º 8.072/90.
Em relação a este crime, trago CONTROVÉRSIA DOUTRINÁRIA se se tratar de CRIME MATERIAL ou FORMAL.
Por CRIME MATERIAL, requer a comprovação de que, em virtude da prática de crime em companhia de inimputável, por exemplo, este, em seu aspecto moral, ficou efetivamente corrompido.
Por outro lado, trata-se de CRIME FORMAL que independe de o crime cometido em companhia de menor de idade o tornou, social e moralmente, corrompido em sua formação.
Nesse sentido, GABRIEL HABIB, in verbis:
Consumação. O delito consuma-se com a prática das condutas típicas, independentemente da efetiva corrupção da moral social do menor.
Em outras palavras, não importa se o menor já se dedicava à prática de infrações penais, tendo a sua moral social deturpada. Trata-se de delito formal.
Em sentido contrário, GUILHERME DE SOUZA NUCCI entende tratar-se de CRIME MATERIAL, verbis:
Classificação: …. material (depende da ocorrência de resultado naturalístico, consistente em efetivo prejuízo para a formação moral do menor, ou seja, ele precisa corromper-se).
Em sentido contrário: Súmula 500, STJ: “a configuração do crime previsto no art. 244-B do Estatuto da Criança e do adolescente independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal”;…
ERRO NA EXECUÇÃO – ABERRATIO ICTUS
Prosseguindo, há um plus em relação à Roberto. Infere-se da questão da prova que Roberto efetuou disparo de arma de fogo contra a pessoa de José Diógenes, por conta de um acidente automobilístico ocorrido anteriormente. Os disparos não atingiram José Diógenes, que saiu incólume, mas seu amigo que o acompanhara, foi atingido, vindo a óbito.
Faço as seguintes observações em relação a Roberto.
Primeiro que houve ERRO, na modalidade ABERRATIO ICTUS. Roberto, por erro de pontaria, em vez de atingir a vítima pretendida, José Diógenes, acabou por acertar, Carlos, que veio a falecer.
Neste caso, por conta da norma do Art. 73, do Código Penal, Roberto responderá por HOMICÍDIO QUALIFICADO POR MOTIVO FÚTIL (desentendimento anterior em acidente automobilístico), como se tivesse matado José Diógenes, em cumprimento à norma do parágrafo 3º, do Art. 20, do Código Penal.
Erro na execução
Art. 73 – Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.
Art. 20 – O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
Erro sobre a pessoa
Parágrafo 3º – O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.
Neste sentido, invoco a lição de FERNANDO CAPEZ, in verbis:
a) Com unidade simples ou resultado único: em face do erro na execução do crime, o agente, em vez de atingir a vítima pretendida (virtual), acaba por acertar um terceiro inocente (vítima efetiva).
Denomina-se unidade simples ou resultado único, porque somente é atingida a pessoa diversa daquela visada, não sofrendo a vítima virtual qualquer lesão.
CONCURSO MATERIAL
PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA
A segunda observação a ser feita é o fato de que Roberto portava ARMA DE FOGO, do tipo revólver, calibre .38, com numeração raspada antes de efetuar o disparo contra José Diógenes.
Em um CONTEXTO FÁTICO totalmente DISTINTO, isto é, Roberto portava arma de fogo ao dirigir-se para local ermo com intuito de recolher a quantia objeto do crime de extorsão mediante sequestro. Por este motivo, Roberto irá responder, também, pelo crime do Art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei de Armas, em CONCURSO MATERIAL com o crime de HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO, nos termos do Art. 69, do Código Penal.
Em sede doutrinária, delibera-se que o BEM JURÍDICO TUTELADO e o MOMENTO CONSUMATIVO são diversos. O CRIME de PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO de NUMERAÇÃO RASPADA ocorreu no momento em que Roberto passou a portar a referida arma de fogo dirigindo-se até o local onde iria recolher a quantia.
Por outro lado, o BEM JURÍDICO TUTELADO pela Lei de Armas é a paz social, e, segundo, CAPEZ:
” … a incolumidade pública, ou seja, a garantia e preservação do estado de segurança, integridade corporal, vida, saúde e patrimônio dos cidadãos indefinidamente considerados contra possíveis atos que os exponham a perigo.”
Do período de tempo entre o porte de arma de fogo por Roberto até o momento em que fez o disparo de arma de fogo, o BEM JURÍDICO TUTELADO, a incolumidade pública, ficou DESPROTEGIDO, motivo pelo qual deve ser responsabilizado penalmente.
Concurso material
Art. 69 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.
E é só!
Bons estudos!