JURISPRUDÊNCIA – Ausência de Confissão na Fase Policial –Fundamento Válido para Recusa do MP em Ofertar Proposta de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) – Entenda! - Professor & Coach Delegado Ronaldo Entringe
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JURISPRUDÊNCIA – Ausência de Confissão na Fase Policial –Fundamento Válido para Recusa do MP em Ofertar Proposta de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) – Entenda!


Informativo n.º 843, do Superior Tribunal de Justiça

1. A confissão pelo investigado na fase de inquérito policial não constitui exigência do art. 28-A do Código de Processo Penal para o cabimento de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), sendo inválida a negativa de formulação da respectiva proposta baseada em sua ausência.

2. A formalização da confissão para fins do ANPP pode se dar no momento da assinatura do acordo, perante o próprio órgão ministerial, após a ciência, avaliação e aceitação da proposta pelo beneficiado, devidamente assistido por defesa técnica, dado o caráter negocial do instituto.


“Cinge-se a controvérsia em definir se a ausência de confissão pelo investigado a respeito do cometimento do crime, durante a fase de inquérito policial, constitui fundamento válido para o Ministério Público não ofertar proposta de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).

De início, cabe ressaltar que o entendimento atual de ambas as Turmas que compõem a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça (STJ) se consolidou no sentido da impossibilidade do condicionamento da proposta de ANPP à confissão extrajudicial na fase inquisitorial.

A confissão anterior não foi exigida quando da definição do Tema Repetitivo n. 1098 por esta Terceira Seção, entendendo-se cabível a celebração do ANPP “em casos de processos em andamento quando da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento”, na mesma linha do decidido pelo Supremo Tribunal Federal no HC n. 185.913/DF.

Ainda, cabe pontuar a premissa fixada na primeira tese do Tema Repetitivo n. 1098: “o Acordo de Não Persecução Penal constitui um negócio jurídico processual” e entabula “possibilidade de composição entre as partes com o fim de evitar a instauração da ação penal”.

Resta claro, assim, que o aspecto negocial é elemento chave para a compreensão do instituto do ANPP e, consequentemente, para a interpretação dos contornos de tal inovação legislativa quanto à quaestio enfrentada nesta oportunidade.

Ademais, já se alinhavou na jurisprudência deste Tribunal Superior que “[a] confissão é indispensável à realização do acordo, por ser o que revela o caráter de justiça negocial do ANPP” (AgRg no HC n. 879.014/PR, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 22/04/2024, DJe de 25/04/2024).

Ora, diante de um instituto de características negociais, como é o ANPP, parece distante dos pressupostos basilares subjacentes exigir que uma das partes – a mais vulnerável, no caso – cumpra de antemão com uma das obrigações a serem assumidas, sobretudo sem ao menos saber de antemão se terá ou não sequer a oportunidade de negociar.

Isto porque este STJ adotou a posição no sentido de que “o acordo de não persecução penal não constitui direito subjetivo do investigado, podendo ser proposto pelo Ministério Público conforme as peculiaridades do caso concreto e quando considerado necessário e suficiente para a reprovação e a prevenção da infração penal” (AgRg no REsp n. 1.912.425/PR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 23/3/2023).
Assim, qualquer projeção anterior à efetiva iniciação das tratativas a respeito do acordo configuraria mera conjectura, não havendo, conforme a jurisprudência desta Corte, se falar em direito subjetivo à celebração do acordo.
Nesse cenário, a exigência de uma prévia renúncia (ainda que retratável, como é da natureza do instituto da confissão) ao direito ao silêncio e à não autoincriminação, sem a certeza da contrapartida, representaria desarrazoada condicionante, não prevista, ademais, na legislação de regência.
Mais ainda, a exigência de confissão prévia significaria, em última análise, um incentivo à sua realização em ambiente inquisitorial, sem a plenitude das garantias do devido processo legal, na maioria das vezes sem assistência por defesa técnica – incompatível com os esforços que tem empreendido esta Terceira Seção pela racionalização do uso da confissão extrajudicial no Processo Penal – v.g., com as teses estabelecidas no AREsp n. 2.123.334/MG (relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 20/6/2024, DJe de 2/7/2024).

Também não se pode perder de vista, diante de tal questão, a garantia convencional de não ser obrigado a depor contra si mesmo ou declarar-se culpado (art. 8.2, “g”, da Convenção Americana de Direitos Humanos).

É sabido que os direitos humanos possuem tendência expansiva e reclamam máxima efetividade, com as normas internacionais que os asseguram consubstanciando vetores interpretativos para a legislação ordinária. É essencial, portanto, a compatibilização da possibilidade legal de celebração de um Acordo de Não Persecução Penal com a força normativa exercida pelo art. 8.2, “g”, da CADH. Para tanto, não se pode, conforme a letra do Pacto de San José, obrigar a parte a depor contra si mesma ou declarar-se culpada, de modo que a confissão só pode se colocar como uma faculdade para viabilizar o acesso ao ANPP.

Não é cabível exigir que tal opção seja tomada “no escuro”, antes mesmo de se saber se haverá ou não proposta – e consequente tratativa – da solução negociada, quais os seus termos, bem como os elementos de que dispõe a acusação para a formulação de eventual denúncia.
Sem a certeza da contrapartida, a faculdade em questão não poderia ser exercida plenamente pela pessoa investigada, mais se aproximando de uma obrigação. É necessário, assim, garantir seu pleno exercício, que deve ser devidamente informado, pois, caso contrário, se converterá num “salto de fé” incompatível com a essencialidade da garantia subjacente, da qual se estará abrindo mão.
Nessa linha, deve a escolha – informada – pela confissão mirando a celebração do ANPP se dar com consciência dos ganhos e perdas de cada via (processual ou negocial), o que implica na ciência do conteúdo da proposta formulada pelo Ministério Público, bem como dos elementos que lastreiam a pretensão acusatória, além da necessária assistência da defesa técnica (sobre esse ponto, já se decidiu que a “[a]usência de orientação e presença da Defesa técnica [contamina] a negativa de acordo” – HC n. 838.005/MS, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do Tjsp), Sexta Turma, julgado em 13/8/2024, DJe de 23/8/2024).

Por outro lado, também não satisfaz os ditames da CADH a interpretação de que a utilização, na fase inquisitorial, desses direitos pela pessoa (não depor contra si mesma nem declarar-se culpada) seria impeditivo para acesso a instrumento processual negocial que lhe pode ensejar situação mais favorável.
Isto porque a própria Convenção estabelece em seu artigo 29, “b”, que a interpretação de seus dispositivos não pode ocorrer de modo a “limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados-Partes”.
Portanto, não atende à garantia do art. 8.2, “g”, da Convenção Americana de Direitos Humanos a exigência de confissão pelo investigado a respeito do cometimento do crime, durante a fase de inquérito policial; e não observa seu art. 29, “b”, a interpretação de que o uso de tal garantia na fase de inquérito impede o acesso à negociação de eventual ANPP.

Desse modo, no silêncio do art. 28-A do Código de Processo Penal quanto ao momento em que deve se dar a confissão, sua interpretação não pode implicar em (inexistente) exigência de que ela ocorra de antemão a eventual proposta de ANPP, ainda na fase inquisitiva. Assim, nada impede que a confissão seja levada a efeito perante o próprio órgão ministerial, após a formulação da proposta de acordo, sua avaliação (assistida por defesa técnica), eventual negociação e aceitação dos termos do ANPP.
A decisão médica em contexto de urgência, como a do parto, deve ser respeitada, dentro dos limites da responsabilidade civil, especialmente quando o procedimento adotado se revelar necessário para a segurança da parturiente e do recém-nascido.”

Informativo n.º 843, do Superior Tribunal de Justiça
Art. 28-A, do Código de Processo Penal

Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:  

I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;   

II – renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;    

III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);    
   
IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou    

V – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. 
  
§ 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto.  
§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:    

I – se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;     
II – se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;   
III – ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e  
IV – nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.  
 
§ 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor.    

§ 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade.      

§ 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor.  

§ 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal.   

§ 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º deste artigo.  

§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia.   

§ 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento.   

§ 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia.  

§ 11. O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo.     

§ 12. A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º deste artigo.  

§ 13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.   

§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.

Sobre o tema “Acordo de Não Persecução Penal”, eminente Rogério Sanches, Promotor de Justiça, em São Paulo.




Por ora é isso, Pessoal!

Bons Estudos!

Professor & Coach Delegado Ronaldo Entringe

O Delegado Ronaldo Entringe é um estudioso na área de preparação para Concursos Públicos - Carreiras Policiais, e certamente irá auxiliá-lo em sua jornada até a aprovação, vencendo os percalços que irão surgir nesta cruzada, sobretudo através do planejamento estratégico das matérias mais recorrentes do certame e o acompanhamento personalizado.