Trazemos mais uma questão de concurso público para Delegado de Polícia.
Vejamos:
Inconsequêncius, fazendo-se acompanhar por Inocêncio e Credulino (os dois menores de idade), em uma manhã fria do inverno gaúcho, agarrou Santina, adolescente de 15 anos, pelas costas, imobilizando-a.
Inconsequêncius tapou a boca da adolescente e jogou-a no chão. Com ela deitada no solo, Inconsequêncius colocou um joelho sobre seu abdome e, fazendo uso de força física, tirou a blusa de lã que a moça trajava. A adolescente implorou que ele não lhe fizesse mal, tendo Inconsequêncius respondido que somente queria “ficar” com ela, porque tinha apostado com Inocêncio e Credulino que conseguiria. Em seguida, Inconsequêncius deu um beijo na vítima, conseguindo inserir a língua dentro da sua boca.
A adolescente se debatia, gritava e empurrava Inconsequêncius, mas não conseguia dele se livrar, porque Inocêncio e Credulino ajudavam a segurar a adolescente. Foi quando passou pelo local um indivíduo, tripulando uma motocicleta, fato que assustou os três agentes, que soltaram a garota.
Aproveitando-se do descuido dos algozes, Santina fugiu do local. Inconsequêncius acabou sendo preso, preventivamente. Em sua defesa, Inconsequêncius alegou que o ato não passou de um “beijo roubado” e da tentativa do rapaz de “ficar” com a moça.
Na condição de Autoridade Policial, com a devida fundamentação jurídica, abordando doutrina e jurisprudência, tipifique a conduta de Inconsequêncius, indicando que crime(s) cometeu, se foi(ram) consumado(s) ou tentado(s). Atente-se para a existência de posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.”
Poderíamos capitular da seguinte maneira:
INCONSEQUÊNCIUS praticou o crime de ESTUPRO QUALIFICADO contra SANTINHA, haja vista que, mediante violência, praticou ato libidinoso com a ofendida, que possuía menos de 18 anos e mais de 14 anos na data do fato, crime previsto no art. 213, § 1º, do CP.
Estupro
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
Parágrafo 1o : Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
O crime ainda será majorado pelo concurso de agentes, tendo em vista que agiu em conjunto com INOCÊNCIO e CREDULINO, conforme previsto no art. 226, I, do CP.
Aumento de pena
Art. 226. A pena é aumentada:
I – de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas;
Não se olvide que INCONSEQUENCIUS responderá, em CONCURSO MATERIAL DE CRIMES, nos termos do Art. 69, do Código Penal, pelos crimes de CORRUPÇÃO DE MENORES, duas vezes, pelo fato de que praticou o crime de estupro com ajuda de 02(dois) menores de idade, como coautores.
Concurso material
Art. 69 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.
Parágrafo 1º: Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código.
Parágrafo 2º: Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais.
No que diz respeito à doutrina do “BEIJO LASCIVO”, é sabido tratar-se de ATO LIBIDINOSO.
Em POSIÇÃO CONTRÁRIA, parcela minoritária entende constituir-se de FATO ATÍPICO o mero “beijo roubado”, desde que brevíssimo e que haja o mero toque entre o lábio do autor com a bochecha ou mesmo os lábios da outra pessoa, não caracterizaria o crime de estupro, ainda que mediante uso de violência física.
Coaduno com a POSIÇÃO MAJORITÁRIA no sentido de que a conduta de inserir a língua na boca da vítima, visando satisfazer a lasciva, caracteriza-se como espécie de ATO LIBIDINOSO.
Em sede jurisprudencial, trazemos à baila o entendimento quanto ao crime de CORRUPÇAO DE MENORES, in verbis:
“(…)De início, cumpre salientar que o caput do art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que está sujeito a pena de 1 a 4 anos de reclusão, aquele que “corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la”.
Segundo a doutrina, o bem jurídico tutelado pelo art. 244-B do ECA é a formação moral da criança e do adolescente no que se refere à necessidade de eles não ingressarem ou permanecerem no mundo da criminalidade.
Ora, se o bem jurídico tutelado pelo crime de corrupção de menores é a sua formação moral, caso duas crianças/adolescentes tiverem seu amadurecimento moral violado, em razão de estímulos a praticar o crime ou a permanecer na seara criminosa, dois foram os bens jurídicos violados.
Da mesma forma, dois são os sujeitos passivos atingidos, uma vez que a doutrina é unânime em reconhecer que o sujeito passivo do crime de corrupção de menores é a criança ou o adolescente submetido à corrupção.
O entendimento perfilhado também se coaduna com os princípios da prioridade absoluta e do melhor interesse da criança e do adolescente, vez que trata cada uma delas como sujeitos de direitos. Ademais, seria desarrazoado atribuir a prática de crime único ao réu que corrompeu dois adolescentes, assim como ao que corrompeu apenas um. REsp 1.680.114-GO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, por unanimidade, julgado em 10/10/2017, DJe 16/10/2017.
Por ora é só!
Bons Estudos!