PROVA DISCURSIVA – DELEGADO DE POLÍCIA DE GOIÁS – 2013.

No CONCURSO para DELEGADO DE POLÍCIA DO ESTADO DE GOIÁS, em 2013, foi indagado ao candidato o seguinte:

Em que consiste a TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO?

 

Este assunto está relacionado ao tema CONCURSO DE AGENTES OU DE PESSOAS.

Trata-se de teoria desenvolvida por CLAUS ROXIN, em 1963, para as hipóteses de AUTORIA MEDIATA, em que se deve incluir o MANDANTE, concomitantemente à responsabilidade do executor, em aparatos de poder organizados.

Segundo a doutrina, são necessários 04(quatro) requisitos para a sua caracterização:

 

1) PODER DE MANDO: Seria aquele, dentro do APARATO DE PODER, possui o poder de mando, ou seja, tem autoridade para dar ordens e exerce o poder para a prática de crimes;

2) APARATO DE PODER DESVINCULADO DO ORDENAMENTO JURÍDICO: segundo a doutrina, é necessário que a organização atue de forma ilícita, segundo a ordem jurídica;

3) FUNGIBILIDADE DO EXECUTOR IMEDIATO: Significa que, havendo a possibilidade de um executor não cumprir a ordem dada, outro possa cumpri-la, não impedindo a realização do tipo penal. Ocorre quando há múltiplos executores que irão cumprir, caso um manifeste negativa no seu cumprimento, por isso a sua fungibilidade, que se caracteriza pela sua substituição.

4) ALTA DISPOSIÇÃO DO EXECUTOR IMEDIATO EM EXECUÇÃO A ORDEM: Para esta teoria, é possível adequar a figura do “HOMEM DE TRÁS” (aquele dá a ordem a outrem para executar o crime), que, utilizando-se de um APARATO ORGANIZADO DE PODER, dá uma ordem aos seus subordinados (executores culpáveis) para  execução do crime. Segundo alguns doutrinadores, a própria existência da organização criminosa é fator de estímulo para que a ordem seja cumprida por conta da existência de ASCENSÃO NA HIERARQUIA ou GANHO DE NOTORIEDADE, ou FAMA, IMPULSOS SÁDICOS, ou por mesmo por acreditarem na IMPUNIDADE.

 

Diferencia-se da TEORIA DO DOMÍNIO FATO na medida em que nesta o AUTOR MEDIATO dá ordem a uma interposta pessoa não-culpável, como mero instrumento da pratica do crime. Ou seja, para esta teoria, utiliza-se como interposta pessoa, como executor direto, uma pessoa não-culpável, seja pela inimputabilidade, seja pela ausência de dolo ou culpa.

 

Nas TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO, o “HOMEM DE TRÁS” também é aquele que detém o controle a respeito da realização da figura típica, em determinar “se”, “quando”, “onde” e “como”, mas ele dá uma ORDEM para o executor imediato e culpável, visando, com isto, adequá-lo ao conceito de AUTOR MEDIATO.

 

Para melhor compreensão do tema, trago trecho do artigo publicado no site “DIREITO EM REVISTA” pelo insigne doutor PABLO RODRIGO ALFLEN DA SILVA, Professor de Direito Penal e Processual Penal no Curso de Direito e Coordenador de Pesquisa da ULBRA São Jerônimo, Mestre em Ciências Criminais (PUCRS), Advogado Criminal, que afirma, in verbis:

Como já referido, a teoria do domínio do fato pelo domínio da vontade em virtude de aparatos organizados de poder, também chamada de teoria do domínio por organização, é temática muito recente na literatura jurídico-penal brasileira.Assim, deve-se observar, de acordo com a diretriz estabelecida pela teoria do domínio por organização, que a autoria mediata, nestes casos de domínio por organização, se baseia, primeiramente, na fungibilidade do autor direto e no domínio automático do subordinado por parte do aparato organizado de poder.Portanto, o domínio por organização tem como pressuposto o domínio sobre uma coletividade de executores (a organização), sendo que o autor mediato (o homem de trás) realiza o fato por meio de algum dos executores pertencentes à organização dirigida por ele, e que, em razão das condições, este autor direto se caracteriza como um sujeito fungível (fácil ou automaticamente substituível) e carente de significação, portanto, não sendo sequer necessário que o autor mediato o conheça.Além disso, os aparatos de poder devem consistir em organizações criminosas, de forma que não se pode incluir aí as empresas, pois estas não são criminosas por si mesmas, uma vez que perseguem a obtenção legal de benefícios financeiros e as infrações são acidentais, a não ser que estas sejam constituídas visando fins ilícitos.Dessa forma, a autoria do homem de trás dá-se partindo do seu poder fático de condução, no sentido de um modelo de imputação normativo, de maneira que na organização a responsabilidade aumenta com o afastamento do plano da execução.

 

Em sede JURISPRUDENCIAL, trago à baila o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no que diz respeito à aplicação da TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO, in verbis, noticiado no site jurídico DIZER O DIREITO:

 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

João assumiu o cargo de Governador do Estado e deu sequência a uma obra pública de macrodrenagem que já estava sendo executada desde o seu antecessor.

O Ministério Público denunciou o Governador anterior e também João pela prática de peculato-desvio (art. 312 do CP).

O MP argumentou que João, ao assumir o cargo de Governador, deu sequência às irregularidades da obra e que ele estava ciente das graves infrações administrativas e penais que a envolviam. Isso porque tais irregularidades seriam notórias. Assim, pela teoria do domínio do fato, ele também deveria ser condenado.

Por outro lado, a defesa de João sustentou que a responsabilidade penal é pessoal, não podendo o réu ser responsabilizado por atos de terceiros, no caso, o antigo Governador e seus Secretários de Estado, responsáveis pelo processo licitatório da obra.

 

A tese da defesa foi acolhida pelo STF?

SIM. O STF afirmou que não havia provas suficientes da autoria delitiva. Apesar de reconhecer a existência da materialidade do crime, uma vez que ficou demostrada a existência de desvios e superfaturamento, o STF considerou que não foi demonstrada a autoria dos fatos atribuída a João.

Ao contrário do que afirma o MP, as irregularidades apontadas na denúncia não possuem o caráter de notoriedade. As inconsistências verificadas no planejamento e execução do projeto exigiriam, para conhecimento leitura de documentos assinados na gestão anterior e a análise de pareceres técnicos.

Não são, por isso, fatos públicos e notórios ao ponto de se dizer que João soubesse obrigatoriamente das irregularidades.

Quanto ao argumento do MP de que o réu detinha ou deveria deter conhecimento dos fatos, o Ministro afirmou que não se adequa ao caso a teoria do domínio do fato, já que “só tem o domínio do fato quem tem o conhecimento dele”.

A mera invocação da condição do chefe do Executivo estadual, sem a descrição de determinado comportamento típico que o vincule concreta e subjetivamente à pratica criminosa, não constitui fator suficiente para permitir uma condenação criminal.

 

Em suma:

A teoria do domínio do fato não permite que a mera posição de um agente na escala hierárquica sirva para demonstrar ou reforçar o dolo da conduta.

Do mesmo modo, também não permite a condenação de um agente com base em conjecturas.

Assim, não é porque houve irregularidade em uma licitação estadual que o Governador tenha que ser condenado criminalmente por isso.

STF. 2ª Turma. AP 975/AL, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 3/10/2017 (Info 880).

Sobre o tema, confira outro precedente semelhante:

Não há óbice para que a denúncia invoque a teoria do domínio do fato para dar suporte à imputação penal, sendo necessário, contudo, que, além disso, ela aponte indícios convergentes no sentido de que o Presidente da empresa não só teve conhecimento do crime de evasão de divisas, como dirigiu finalisticamente a atuação dos demais acusados.

Assim, não basta que o acusado se encontre em posição hierarquicamente superior. Isso porque o próprio estatuto da empresa prevê que haja divisão de responsabilidades e, em grandes corporações, empresas ou bancos há controles e auditorias exatamente porque nem mesmo os sócios têm como saber tudo o que se passa.

STF. 2ª Turma. HC 127397/BA, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 6/12/2016 (Info 850).

 

Outra decisão do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL também extraída do site jurídico DIZER O DIREITO, sobre a TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO, in verbis:

 

O diretor-geral da empresa de telefonia Vivo foi denunciado pelo fato de que na filial que funciona no Estado de Pernambuco teriam sido inseridos elementos inexatos em livros fiscais. Diante disso, o Ministério Público denunciou o referido diretor pela prática de crime contra a ordem tributária (art. 1º, II, da Lei nº 8.137/90).

A denúncia aponta que, na condição de diretor da empresa, o acusado teria domínio do fato, o poder de determinar, de decidir, e de fazer com que seus empregados contratados executassem o ato, sendo responsável pelo delito.

 

O STF determinou o trancamento da ação penal afirmando que não se pode invocar a teoria do domínio do fato, pura e simplesmente, sem nenhuma outra prova, citando de forma genérica o diretor estatutário da empresa para lhe imputar um crime fiscal que teria sido supostamente praticado na filial de um Estado-membro onde ele nem trabalha de forma fixa.

Em matéria de crimes societários, a denúncia deve apresentar, suficiente e adequadamente, a conduta atribuível a cada um dos agentes, de modo a possibilitar a identificação do papel desempenhado pelos denunciados na estrutura jurídico-administrativa da empresa.

 

Não se pode fazer uma acusação baseada apenas no cargo ocupado pelo réu na empresa. STF. 2ª Turma. HC 136250/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 23/5/2017 (Info 866).