Modelo de Representação Pela
Decretação de Busca e Apreensão Domiciliar
Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara Criminal de Macapá – Amapá.
Ref.: Inquérito Policial nº _________ /2024-6ª Delegacia de Polícia de Macapá.
A POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO AMAPÁ, neste ato representada pelo Doutor Ronaldo Entringe, Delegado de Polícia Civil, desenvolvendo suas funções como Adjunto na 6ª Delegacia de Polícia de Macapá, situada à Avenida, número, bairro Trem, Macapá, e, em decorrência dos elementos de convicção constantes das peças de Investigação acostadas, bem como lastreado no inciso XII do art. 5º c/c art. 144, IV, § 4º, todos da Constituição Federal da República, artigos 3º, 4º, 5º e 6º, 13 e 156, todos do Código de Processo Penal, vem, com o devido respeito à Vossa Excelência, REPRESENTAR pela decretação da:
Busca e Apreensão Domiciliar
aduzindo para tanto as circunstâncias fático-jurídicas a seguir explicitadas:
Do Fato Criminoso
Trata-se de procedimento investigativo instaurado para apurar armazenamento de conteúdo pornográfico de onde se depreende que o(s) usuário(s)/cliente(s) de internet (anexo I), estariam na posse de material contendo cenas de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente.
Para apuração dos fatos, foi instaurado o Inquérito Policial de nº com o intuito de identificar possíveis crimes contra dignidade sexual infanto-juvenil, cometido por xxxxxxxxxxxx.
Através de relatório de missão, conseguimos individualizar a conduta do REPRESENTADO que consistia em xxxx.
Consta, com base nos elementos informativos até então colhidos, que o(s) investigado(s) utilizou(ram) a rede P2P[1] (ponto-a-ponto) e por meio de suas conexões com a Internet, compartilharam com outros usuários da rede, os arquivos contendo cenas de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente.
Ainda de acordo com os dados coletados, os usuários armazenaram e compartilharam, através do seus dispositivos digitais (computadores, notebooks, tablets, smartphones, vídeo games e etc.), arquivos digitais de vídeos e/ou imagens, documentos, de pornografia infanto-juvenil, conduta que, em tese, está tipificada nos artigos o 241-B do Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, motivo pelo qual se faz necessária a medida pleiteada.
Da Competência
O art. 109, V da Constituição Federal assinala que
“compete aos juízes federais processar e julgar os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente”.
De outra banda, o Brasil é signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança, assim como o protocolo referente à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil. Por conseguinte, a competência será da Justiça Federal desde que, quando iniciada a execução no Brasil, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente.
Nesse sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal, julgando matéria de Repercussão Geral, no HC 628624/MG, de relatoria do Ministro Edson Fachin:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME PREVISTO NO ARTIGO 241-A DA LEI 8.069/90 (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). COMPETÊNCIA. DIVULGAÇÃO E PUBLICAÇÃO DE IMAGENS COM CONTEÚDO PORNOGRÁFICO ENVOLVENDO CRIANÇA OU ADOLESCENTE. CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS DA CRIANÇA. DELITO COMETIDO POR MEIO DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES (INTERNET). INTERNACIONALIDADE. ARTIGO 109, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL RECONHECIDA. RECURSO DESPROVIDO.
1. À luz do preconizado no art. 109, V, da CF, a competência para processamento e julgamento de crime será da Justiça Federal quando preenchidos 03 (três) requisitos essenciais e cumulativos, quais sejam, que: a) o fato esteja previsto como crime no Brasil e no estrangeiro; b) o Brasil seja signatário de convenção ou tratado internacional por meio do qual assume o compromisso de reprimir criminalmente aquela espécie delitiva; e c) a conduta tenha ao menos se iniciado no Brasil e o resultado tenha ocorrido, ou devesse ter ocorrido no exterior, ou reciprocamente
2. O Brasil pune a prática de divulgação e publicação de conteúdo pedófilo-pornográfico, conforme art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente
3.(…)
4. Para fins de preenchimento do terceiro requisito, é necessário que, do exame entre a conduta praticada e o resultado produzido, ou que deveria ser produzido, se extraia o atributo de internacionalidade dessa relação. (grifo nosso)
5. Quando a publicação de material contendo pornografia infantojuvenil ocorre na ambiência virtual de sítios de amplo e fácil acesso a qualquer sujeito, em qualquer parte do planeta, que esteja conectado à internet, a constatação da internacionalidade se infere não apenas do fato de que a postagem se opera em cenário propício ao livre acesso, como também que, ao fazê-lo, o agente comete o delito justamente com o objetivo de atingir o maior número possível de pessoas, inclusive assumindo o risco de que indivíduos localizados no estrangeiro sejam, igualmente, destinatários do material. A potencialidade do dano não se extrai somente do resultado efetivamente produzido, mas também daquele que poderia ocorrer, conforme própria previsão constitucional.
6. Basta à configuração da competência da Justiça Federal que o material pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes tenha estado acessível por alguém no estrangeiro, ainda que não haja evidências de que esse acesso realmente ocorreu. (grifo nosso)
7. A extração da potencial internacionalidade do resultado advém do nível de abrangência próprio de sítios virtuais de amplo acesso, bem como da reconhecida dispersão mundial preconizada no art. 2º, I, da Lei 12.965/14, que instituiu o Marco Civil da Internet no Brasil. (grifo nosso)
8. Não se constata o caráter de internacionalidade, ainda que potencial, quando o panorama fático envolve apenas a comunicação eletrônica havida entre particulares em canal de comunicação fechado, tal como ocorre na troca de e-mails ou conversas privadas entre pessoas situadas no Brasil. Evidenciado que o conteúdo permaneceu enclausurado entre os participantes da conversa virtual, bem como que os envolvidos se conectaram por meio de computadores instalados em território nacional, não há que se cogitar na internacionalidade do resultado.(grifo nosso).
Desta forma, para atrair a competência da Justiça Federal, deve estar provada a amplitude de acesso ao site no qual as imagens ilícitas foram divulgadas, conforme se infere do acórdão supra do Supremo Tribunal Federal. Nos demais casos, a competência ficará adstrita à Justiça Estadual.
Quando não há evidências de que o acesso ao material de pornografia infantil, disponibilizado por período determinado na internet, ocorreu além das fronteiras nacionais, a Justiça Estadual será a competente, como por exemplo dos crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes por meio de redes P2P.
Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência nº 103.011/PR, de relatoria da Ministra Assusete Magalhães:
“PROCESSUAL PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME PREVISTO NO ART. 241, CAPUT, E § 1º, II, DA LEI 8.069/90 (NA REDAÇÃO ANTERIOR À DA LEI 11.829/2008). CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA, SUBSCRITA PELO BRASIL. INEXISTÊNCIA DE TRANSNACIONALIDADE DO CRIME DE CAPTAÇÃO E ARMAZENAMENTO, EM COMPUTADORES DE ESCOLAS MUNICIPAIS, DE VÍDEOS DE CONTEÚDO PORNOGRÁFICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES, ADVINDOS DA REDE INTERNACIONAL DE COMPUTADORES (INTERNET). COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
I. O art. 109, V, da Constituição Federal estabelece que compete aos Juízes Federais processar e julgar “os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente”.
II. Para fixar a competência da Justiça Federal, não basta o Brasil ser signatário de tratado ou convenção internacional que prevê o combate a atividades criminosas relacionadas a pedofilia, inclusive por meio da Internet. O crime há de se consumar com a publicação ou divulgação, ou quaisquer outras ações previstas no tipo penal do art. 241, caput e §§ 1º e 2º, da Lei 8.069/90, na rede mundial de computadores (Internet), de fotografias ou vídeos de pornografia infantil, dando o agente causa ao resultado da publicação, legalmente vedada, dentro e fora dos limites do território nacional. Precedentes do STF e do STJ.
III. Na hipótese dos autos, e pelo que se apurou, até o presente momento, o material de conteúdo pornográfico, em análise no apuratório, não ultrapassou os limites dos estabelecimentos escolares, nem tampouco as fronteiras do Estado brasileiro.
IV. Não obstante a origem do material em questão seja, em tese, advinda da Internet, a conduta que se pretende apurar consiste no download realizado, pelo investigado, e na armazenagem de vídeos, em computadores de escolas municipais – o que se amolda ao crime previsto no art. 241, § 1°, II, da Lei 8.069/90, cuja redação, vigente ao tempo dos fatos, é anterior a Lei 11.829/2008 –, inexistindo, por ora, como destacou o Ministério Público Federal, indícios de que o investigado tenha divulgado ou publicado o material pornográfico além das fronteiras nacionais.
V. Assim, não estando evidenciada a transnacionalidade do delito – tendo em vista que a conduta do investigado, a ser apurada, restringe-se, até agora, à captação e ao armazenamento de vídeos, de conteúdo pornográfico, ou de cenas de sexo explícito, envolvendo crianças e adolescentes, nos computadores de duas escolas –, a competência, in casu, é da Justiça Estadual.
VI. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Crimes contra Criança e Adolescente da Comarca de Curitiba/PR , o suscitante.” ((grifo nosso))
A rede P2P ou peer-to-peer é o exemplo desse compartilhamento sem denotar transnacionalidade do delito. Trata-se do conjunto de computadores e usuários que formam uma verdadeira rede de compartilhamento de arquivos pela internet. Nesta rede não há um servidor geral que armazene os arquivos e/ou conecte os seus usuários, mas sim internautas que, ao mesmo tempo, realizam download bem como disponibilizam o acesso para que outros usuários desta rede busquem estes mesmos arquivos em sua máquina. São exemplos de redes P2P: Kazaa, Gnutella, eDonkey e Gnutella 2.
Ao se utilizar desta rede, cada computador passa a figurar como servidor e cliente ao mesmo tempo, permitindo a qualquer usuário destes programas o download de arquivos digitais, bem como o compartilhamento aberto desses arquivos com outros indivíduos de interesses semelhantes. Para tanto, basta que os usuários tenham seus computadores, além do acesso à internet, softwares P2P compatíveis.
Esse compartilhamento de conteúdo permanece enclausurado entre os participantes da mesma forma que ocorre no email e em conversas privadas. Nesse sentido, não há a internacionalidade do fato, ficando a competência do fato adstrita à Justiça Estadual.
Sendo assim, conforme o acima exposto, os crimes contra dignidade sexual infanto-juvenil praticados por meio de aplicativos/softwares P2P seriam de competência da Justiça Estadual.
Do Direito
Esta autoridade policial, em respeito ao artigo 5º , inciso XI, CF/88 e ao Artigo 150, § 2º do Código Penal, roga à Vossa Excelência que a inviolabilidade do domicílio seja sopesada desfavoravelmente ao indiciado diante da necessidade da efetiva e eficaz persecução criminal. O resumo dos fatos narrados traduzem a essência do fumus comissi delicti.
“Neste sentido, nenhum direito fundamental pode ser usado como garantia de impunidade para a prática de atividades ilícitas, razão pela qual os direitos fundamentais não são tidos como absolutos ou ilimitados” (HOLTHE, 2010, p.350).
Para o fiel cumprimento do poder-dever desta autoridade ora subscrita, especificamente no caso em tela – por força do artigo 6o, II e III, do Código de Processo Penal c/c os artigos 240, § 1º, b e h, e artigos 241 e 242 do mesmo diploma legal – faz-se necessário a expedição do mandado de busca e apreensão a fim de fornecer os elementos de convicção do crime suspeito evitando o desaparecimento das provas.
O pedido de busca e apreensão deve ser fundado no objetivo de descobrir e apreender provas relacionadas com os delitos em investigação, evitando-se assim o desaparecimento das provas e elementos de convicção necessários para eventual instauração de ação penal, nos termos do art. 240 do Código de Processo Penal.
Do Pedido
Diante do exposto, embasado nos fundamentos de fato e de direito acima pormenorizados, após o devido pronunciamento do Ministério Público, e confiante de que Vossa Excelência privilegiará os trabalhos da Polícia Judiciária e os acessos aos dados essenciais às investigações, requer a autoridade policial que subscreve que seja:
1. Expedido o MANDADO de Busca e Apreensão Domiciliar no endereço sito à Rua Joana, xxx, bairro Centro, Macapá, tendo por morador, ora o REPRESENTADO, Senhor Fulano de Tal, com o objetivo de buscar e apreender os objetos conexos ao caso em tela (computadores, notebooks, tablets, smartphones, dispositivos de armazenamento de dados, vídeo games e eventualmente outros elementos de convicção .
2. Seja autorizado o acesso irrestrito a todo o conteúdo dos celulares smartphones, computadores e qualquer outro dispositivo informático que eventualmente for apreendido e relacionado com a presente investigação.
Nestes Termos,
Pede deferimento da medida.
Macapá (AP02 de fevereiro de 2024.
Ronaldo Entringe
Delegado de Polícia Adjunto
6ª Delegacia de Polícia de Macapá.