É inconstitucional — por contrariar os princípios da dignidade da pessoa humana (CF/1988, art. 1º, III), da proteção à vida (CF/1988, art. 5º, “caput”) e da igualdade de gênero (CF/1988, art. 5º, I) — o uso da tese da “legítima defesa da honra” em crimes de Feminicídio ou de agressão contra mulheres, seja no curso do processo penal (fase pré-processual ou processual), seja no âmbito de julgamento no Tribunal do Júri.
Julgamento – STF – Inconstitucionalidade da Tese da “Legítima Defesa da Honra” – ADPF 779/DF
Argumentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento ADPF 779/DF que entendeu pela Inconstitucionalidade da Tese da “Legítima Defesa da Honra”, in verbis:
A técnica jurídica não reconhece essa tese como uma das hipóteses excludentes de ilicitude (CP/1940, artigos 23, II, e 25), eis que o ordenamento jurídico prevê que a emoção e a paixão não excluem a imputabilidade penal (CP/1940, art. 28, I).
No Tribunal do Júri, a referida tese é usualmente suscitada, dada a prevalência da plenitude da defesa (CF/1988, art. 5º, XXXVIII), a qual admite a apresentação de argumentos extrajurídicos.
Todavia, a “legítima defesa da honra” configura recurso argumentativo odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulheres para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no País.
Logo, independentemente de ser invocado como argumento não jurídico inerente à plenitude da defesa, o uso da referida tese induz à nulidade do respectivo ato e do julgamento, porque representa prática destituída de técnica e incompatível com os objetivos fundamentais da República (CF/1988, art. 3º, I e IV), além de ofensiva à dignidade da pessoa humana, à vedação de discriminação e aos direitos à igualdade e à vida.
Nesse contexto, a ordem constitucional vigente impõe ao Estado não somente a obrigação de criar mecanismos para coibir o feminicídio e a violência doméstica, mas o dever de não ser conivente e de não estimular tais comportamentos (CF/1988, art. 226, § 8º).
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a arguição para:
(i) firmar o entendimento de que a tese da “legítima defesa da honra” é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero;
(ii) conferir interpretação conforme a Constituição aos artigos 23, II, e 25, caput e parágrafo único, ambos do Código Penal, e ao art. 65 do Código de Processo Penal, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa e, por consequência,
(iii) obstar à defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo que utilizem, direta ou indiretamente, a tese de “legítima defesa da honra” (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante o julgamento perante o Tribunal do Júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento;
(iv) diante da impossibilidade de o acusado beneficiar-se da própria torpeza, fica vedado o reconhecimento da nulidade, na hipótese de a defesa ter-se utilizado da tese com esta finalidade; e
(v) conferir interpretação conforme a Constituição ao art. 483, III, § 2º, do Código de Processo Penal, para entender que não fere a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri o provimento de apelação que anule a absolvição fundada em quesito genérico, quando, de algum modo, possa implicar a repristinação da odiosa tese da “legítima defesa da honra”.
Norma Penal
Exclusão de ilicitude
Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade;
II – em legítima defesa;
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Excesso punível
Parágrafo único – O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.
Legítima defesa
Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.
Sobre o tema Feminicídio, in verbis, excelente aula do Professor e Promotor de Justiça Rogério Sanches: