A pergunta que não quer calar!
A expressão “Deve Saber” previsto no Parágrafo 1º, Art. 180, do Código Penal – Receptação Qualificada deve ser entendida apenas como Dolo Eventual?
E se o Comerciante tinha pleno conhecimento trata-se de produto de crime, agindo, portanto com Dolo Direto?
Receptação
Art. 180 – Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Receptação qualificada
Parágrafo 1º – Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:
Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa.
Parágrafo 2º – Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência.
Imagine a seguinte situação hipotética!
Comerciante deu início ao desmonte de um veículo tendo pleno conhecimento trata-se de produto de furto.
Por qual tipo penal responderá?
Pelo caput, do Art. 180, do Código Penal?
Ou
pelo Parágrafo 1º, do Art. 180, do Código Penal – Receptação Qualificada?
A resposta é deveras controversa! Vejamos!
Há 02(duas) correntes doutrinárias que se digladiam sobre o tema:
Primeira Corrente: o § 1º tanto prevê as condutas de quem sabe (dolo direto) quanto as de quem deve saber (dolo eventual), visto que, embora empregue somente a expressão “deve saber”, a conduta de quem sabe encontra-se abrangida, pois se praticar a conduta com dolo eventual qualifica o crime, por óbvio que praticá-la com dolo direto também deve qualificar.
Capez, livro 2.
Segunda Corrente: a lei tipificou apenas o comportamento de quem deve saber a origem criminosa; logo, de acordo com o princípio da
reserva legal, não pode ser empregada a analogia para alcançar também a conduta de quem sabe. Em matéria de normas incriminadoras, a interpretação há de ser restritiva e não ampliativa:se o legislador falou apenas “deve saber”, a conduta de quem sabe não deve funcionar como qualificadora.
Por outro lado, ofende o princípio constitucional da proporcionalidade punir mais severamente
o dolo eventual que o dolo direto, razão por que o § 1º é inconstitucional, e não deve ser aplicado.Capez, livro 2.
Para o eminente doutrinador Fernando Capez, in verbis:
“a conduta de quem sabe encontra-se embutida na de quem deve saber, de forma que o § 1º do art. 180
alcança tanto o dolo direto (sabe) quanto o dolo eventual (deve saber).Não se trata de analogia ou interpretação extensiva, mas de declarar o exato significado da expressão (“deve saber” inclui o “sabe”), interpretação meramente declarativa, portanto.
Se aquele que devia saber comete o crime, com maior razão responderá pela receptação qualificada o sujeito que sabia da origem ilícita do produto.
Assistam ao vídeo do insigne Doutrinador Rogério Sanches, promotor de justiça, sobre o Crime de Receptação.