O crime de apropriação indébita previdenciária, previsto no art. 168-A, § 1º, I, do Código Penal, possui natureza de delito material, que só se consuma com a constituição definitiva, na via administrativa, do crédito tributário, consoante o disposto na Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal.
Inicialmente, para melhor entendimento, trazemos conceito do tipo penal Apropriação Indébita do Art. 168, caput, do Código Penal, in verbis, que se aplica ao tipo penal do Art. 168-A, parágrafo 1º, inciso I, do Código Penal:
FERNANDO CAPEZ, in verbis:
Consubstancia-se no verbo apropriar-se, que significa fazer sua a coisa de outrem; mudar o título da posse ou detenção desvigiada, comportando-se como se dono fosse.
O agente tem legitimamente a posse ou a detenção da coisa, a qual é transferida pelo proprietário, de forma livre e consciente, mas, em momento posterior, inverte esse título, passando a agir como se dono fosse.
Nesse momento se configura a apropriação indébita. Veja-se: há a lícita transferência da posse ou detenção do bem para o agente pelo proprietário.
O agente, por sua vez, estando de boa-fé, recebe o bem sem a intenção de apoderar-se dele.
Até aqui nenhum crime ocorre.
A conduta passa a ter conotação criminosa no momento em que o agente passa a dispor da coisa como se dono fosse.
Sua previsão no Código Penal, in verbis:
Apropriação indébita previdenciária
Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo 1o :Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;
III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.
Parágrafo 2o : É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.
Parágrafo 3o : É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:
I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou
II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.
Parágrafo 4o: A faculdade prevista no § 3o deste artigo não se aplica aos casos de parcelamento de contribuições cujo valor, inclusive dos acessórios, seja superior àquele estabelecido, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.
FERNANDO CAPEZ, in verbis, quanto ao DOLO e a inexigibilidade de especial fim de agir, ou seja, vontade e consciência em fraudar a previdência social:
O dolo do crime de apropriação indébita previdenciária é a consciência e a vontade de não repassar à Previdência, dentro do prazo e na forma da lei, as contribuições recolhidas, não se exigindo a demonstração de especial fim de agir ou o dolo específico de fraudar a Previdência Social como elemento essencial do tipo penal.
Ao contrário do que ocorre na apropriação indébita comum, não se exige o elemento volitivo consistente no animus rem sibi habendi para a configuração do tipo inscrito no art. 168-A do Código Penal.
Trazendo esse conceito para o Crime de Apropriação Indébita Previdenciária, o agente do crime apropria-se de uma valor monetário correspondente a um tributo, que tem a posse previa, e não repassa para o INSS.
Utiliza-se de tal valor para uso próprio ou de terceiros como se fosse dono de tal quantia.
Portanto, visto o conceito acima e a decisão do Superior Tribunal de Justiça, vamos ao que interessa.
Por muito tempo discutiu-se em sede doutrinária e jurisprudencial a natureza jurídica (formal ou material) do crime de apropriação indébita previdenciária, previsto no art. 168-A do Código Penal.
Para melhor entendimento, o CRIME MATERIAL se consuma com a produção do resultado naturalístico, como a morte no homicídio.
Por sua vez, no CRIME FORMAL resultado naturalístico não é exigido, muito embora previsto no tipo penal o seu resultado para a consumação do crime.
FERNANDO CAPEZ, in verbis:
Crime Material: o crime só se consuma com a produção do resultado naturalístico, como a morte, para o homicídio; a subtração, para o furto; a destruição, no caso do dano; a conjunção carnal ou
outro ato libidinoso diverso, para o estupro etc.Crime Formal: o tipo não exige a produção do resultado para a consumação do crime, embora seja possível a sua ocorrência. Assim, o resultado naturalístico, embora possível, é irrelevante para que a infração penal se consume.
Trazendo esses conceitos de CRIME FORMAL e MATERIAL, temos que se se entender por crime formal, o Ministério Público não precisa aguardar o término do processo administrativo pela fazenda pública quanto à constituição definitiva do crédito tributário para propor ação penal.
Bastar haver indícios suficientes de autoria quanto à apropriação de indébita de tributos, que deveriam ter sido recolhidos em benefício da União e não foram, após decorrido prazo legal ou regulamentar.
Na verdade, o empregador desconta da remuneração do empregado o valor do tributo devido por este, e passa a ter a posse legítima, e, em seguida, não repassa à Previdência Social após decorrido o prazo legal ou regulamentar. Passa o empregador a comportar-se como se dono fosse empregando em finalidade diversa.
A importância prática da distinção entre crime formal e crime material diz respeito à necessidade de constituição definitiva do crédito tributário para a tipificação do crime do art. 168-A, § 1º, I, do Código Penal, o que repercute na definição acerca da data da consumação do delito e no termo inicial da prescrição, pois, nos termos do art. 111, I, do Código Penal, a “prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: I – do dia em que o crime se consumou”.
Com efeito, a Súmula Vinculante n. 24 do STF estabelece que
“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo”.
Como se vê, os crimes insculpidos no art. 1º, I a IV, da Lei n. 8.137/1990 são considerados crimes materiais, sendo necessária a redução ou supressão do tributo e, consequentemente, a constituição do crédito tributário definitivo como condição para a persecução penal.
É certo que o enunciado da Súmula Vinculante n. 24/STF trata expressamente dos delitos previstos no art. 1º, I a IV, da Lei n. 8.137/1990.
No entanto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, nos autos do Inq. 3.102/MG, reconheceu que a “sistemática de imputação penal por crimes de sonegação contra a Previdência Social deve se sujeitar à mesma lógica aplicada àqueles contra a ordem tributária em sentido estrito”.
Por todo o exposto, para os fins do art. 927, inciso III, c/c o art. 1.039 e seguintes, do Código de Processo Civil, há a reafirmação do entendimento consolidado desta Corte Superior e a resolução da controvérsia repetitiva com a tese:
“O crime de apropriação indébita previdenciária, previsto no art. 168-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, possui natureza de delito material, que só se consuma com a constituição definitiva, na via administrativa, do crédito tributário, consoante o disposto na Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal”.