XXXIII CONCURSO – MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO DE JANEIRO – PROVA PRELIMINAR – 2014 – 2ª Questão – Direito Penal.
Felix, inconformado com a constante indiferença de seu pai César e decidido a se vingar, resolve aplicar um vigoroso desfalque nas contas de seu genitor, este nascido em 07/01/1954.
Para tanto, no início da madrugada de 06/01/2014, aproveitando-se do fato de ter ciência da senha do cofre particular de César na residência habitada por ambos, Felix subtrai de seu interior uma folha de cheque da conta corrente de seu pai, devidamente assinada pelo último, sem beneficiário e com a ordem de pagamento da quantia de R$ 70.000, 00 (setenta mil reais), sendo, naquele mesmo dia, o referido título cambial depositado por Felix em sua própria conta bancária.
Vinte e quatro horas depois do depósito, o título de crédito rapinado é compensado, sendo o desfalque financeiro prontamente constatado
por César, que pretendia usá-lo para o pagamento de um novo carro.Fato é que, consultando as imagens do circuito interno de TV de sua residência, César acaba por descobrir toda a ação de Felix, que, uma vez interpelado, confessa sem qualquer remorso a conduta por ele praticada.
Por conta da pronta admissão dos fatos por Felix, César revela profundo desapontamento, alegando sempre ter confiado cegamente no primeiro, por considerá-lo como um filho, muito embora tenha, por vezes, duvidado de sua paternidade em relação a Felix, dada a enorme discrepância na aparência física e no temperamento entre eles.
Diante da bombástica revelação, Felix demonstra veemente indignação com as suspeitas levantadas por seu pai acerca de sua filiação. Tanto é que, após áspera discussão, resolvem ir juntos para uma clínica particular para a realização de exame de DNA.
Certo é que, dias depois, o citado exame genético conclui que a desconfiança de César procedia, já que Felix não é seu filho biológico, muito embora este tenha até então acreditado piamente nisso.
Considerando que César não foi ressarcido do prejuízo por ele suportado, analise as consequências jurídico-penais da conduta de Felix.
Resposta objetivamente fundamentada.
RESPOSTA
Inicialmente, vislumbra-se que conduta de FELIX amolda-se ao tipo penal do Art. 155, parágrafo 4º, inciso II, do Código Penal, praticado com abuso de confiança e durante o repouso noturno, parágrafo 1º, do Art. 155, do Código Penal.
TEMPO DO CRIME
Art. 4º do Código Penal – Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.
ESCUSA ABSOLUTÓRIA
Art. 181, do Código Penal – É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:
I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;
II – de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.
Art. 182 – Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo:
I – do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;
II – de irmão, legítimo ou ilegítimo;
III – de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.
Art. 183 – Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores:
I – se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa;
II – ao estranho que participa do crime.
III – se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
Aplicando-se a TEORIA DA ATIVIDADE, nos termos do Art. 4º, do Código Penal, a vítima não havia completado a idade de 60(sessenta anos), não tendo, portanto, incidência do Art. 183, inciso III, do Código Penal.
Por outro lado, a folha de cheque assinado, segundo a doutrina, pode ser considerado objeto material do crime de furto, o que teria a incidência da norma do Art. 181, inciso II, do Código Penal, mas, nesse ponto, gira séria controvérsia quanto a sua aplicabilidade quando se está diante de filiação socioafetiva, com incidência do princípio da analogia in bonam partem, a partir de uma interpretação estrita.