Ministério Público Estadual – Concurso: MPE-ES – Ano: 2010 – Banca: CESPE – Disciplina: Direito Penal.
No dia 2/10/2008, no decorrer de uma fiscalização de trânsito, foi constatado que o condutor de um veículo, legalmente habilitado, trafegava em via pública em visível estado de embriaguez, comprovado mediante utilização de bafômetro que acusou concentração superior a 06(seis) decigramas de álcool por litro de sangue.
Na ocasião, uma testemunha afirmou que o condutor, antes da abordagem, realizara manobras perigosas no curso da via, colocando em risco a segurança viária e expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.
Apresentados o condutor do veículo e a referida testemunha à autoridade policial competente, foi adotado o procedimento legal cabível e os autos, após concluídos, foram remetidos ao Poder Judiciário.
Registre-se que o autor da conduta é primário, todavia está sendo processado pela prática de uma contravenção penal. Considerando as informações apresentadas, à luz dos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais dominantes no que diz respeito ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB), à Lei n.º9.099/1995 e aos seus critérios orientadores, redija um texto dissertativo que aborde, necessariamente, os seguintes aspectos:
1- obrigatoriedade de realização do teste de alcoolemia, conforme definido no CTB, e sua compatibilidade com o sistema de provas adotado no Código de Processo Penal;
2- necessidade da ocorrência de perigo concreto para a tipificação do delito sob análise;
3- aplicabilidade da suspensão condicional do processo como alternativa à imposição de pena privativa de liberdade, iniciativa de sua aplicação e natureza jurídica do instituto.
RESPOSTAS À QUESTÃO DA PROVA
1 – Primeiramente, vamos ao que prevê o Art. 306, da Lei de Trânsito, in verbis:
Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo 1º: As condutas previstas no caput serão constatadas por:
I – concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou
II – sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.
Parágrafo 2º: A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.
Parágrafo 3º: O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia ou toxicológicos para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.
Parágrafo 4º: Poderá ser empregado qualquer aparelho homologado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – INMETRO – para se determinar o previsto no caput.
De acordo com a jurisprudência dominante, mormente do Superior Tribunal de Justiça, revela que o indivíduo que encontrava-se na condução de veículo automotor não pode ser compelido a realizar o teste de etilômetro, para fins de comprovação da materialidade do crime do Art. 306, do CTB, in verbis:
O indivíduo não pode ser compelido a colaborar com os referidos testes do ‘bafômetro’ ou do exame de sangue, em respeito ao princípio segundo o qual ninguém é obrigado a se autoincriminar (nemo tenetur se detegere).
(Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 – TEMA 446)
Com o advento da Lei n. 12.760/2012, que modificou o art. 306 do CTB, foi reconhecido ser dispensável a submissão do acusado a exames de alcoolemia, admite-se a comprovação da embriaguez do condutor de veículo automotor por vídeo, testemunhos ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.
Como o condutor de veículo automotor não pode ser obrigado a realizar o teste de alcoolemia, cabe ao Estado, Autoridades Policiais, o ônus em comprovar os sinais de ter havido a ingestão de bebida alcoólica, manifestando sinais mais do que visíveis de que se encontrava sob o efeito do álcool.
Neste ponto, importante ressaltar a aplicação do Sistema Acusatório do devido processo legal que o Estado, por meio do Ministério Público, como parte e o Poder Judiciário como órgão solucionador de conflitos devem se pautar.
E é com base no Sistema Acusatório que se fundamenta o Sistema de Provas no Processo Penal Brasileiro em que se atribui ao Ministério Público o ônus processual probatório visando comprovar a materialidade delitiva e a presença de indícios suficientes de autoria.
PROCESSO PENAL E PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. TRANCAMENTO DO PROCESSO-CRIME. EXCEPCIONALIDADE. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-COMPROBATÓRIO. INVIABILIDADE NA VIA ELEITA. MATERIALIDADE DELITIVA. ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA COMPROVADA POR PROVA TESTEMUNHAL, PERÍCIA E TESTE DE ETILÔMETRO. CRIME PRATICADO APÓS O ADVENTO DA LEI N. 12.760/2012. RECURSO DESPROVIDO. RHC 69856 / SP RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2016/0102963-1
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2. Hipótese na qual a embriaguez ao volante foi reconhecida com base em provas testemunhais, pois os policiais responsáveis pela prisão em flagrante afirmaram, de forma categórica, que o réu ostentava sinais claros de alteração da capacidade psicomotora quando de sua abordagem, tais como olhos avermelhados, voz pastosa e forte odor etílico, o que restou corroborado pela perícia realizada em seu veículo.
Além disso, o ora recorrente foi submetido a teste de etilômetro, que atestou o resultado de 0,43 mg/l de ar alveolar, ou seja, superior ao limite permitido. Por certo, ainda que o resultado do exame de etilômetro acostado ao processo-crime fosse ilegível, foi determinada a juntada de novo extrato aos autos, não obstante o fato de que as conclusões do teste de alcoolemia tenham sido amplamente reconhecidas na fase inquisitorial.
3. Com o advento da Lei n. 12.760/2012, que modificou o art. 306 do Código de Trânsito, foi reconhecido ser despicienda a submissão do acusado a teste de etilômetro, tendo passado a ser admitida a comprovação da embriaguez por vídeo, testemunhos ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova. Precedentes.
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Quanto à segunda indagação da questão da prova, também com fundamento na remansosa jurisprudência dos tribunais, mormente do Superior Tribunal de Justiça e da Doutrina, o crime do Art. 306 do CTB é de PERIGO ABSTRATO, não se fazendo necessário perquirir se a conduta do condutor de veículo automotor, em estado de embriagues alcoólica, colocou em perigo a incolumidade pública, na vertente segurança viária.
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. CARÊNCIA DE PROVAS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA MATÉRIA NA VIA ELEITA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. REGIME PRISIONAL SEMIABERTO. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. WRIT NÃO CONHECIDO. HC 364006 / SP HABEAS CORPUS 2016/0193962-4
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4. Nos termos da pacífica jurisprudência desta Corte, o crime de embriaguez ao volante é de perigo abstrato, não sendo necessária a demonstração da potencialidade lesiva da conduta ou a existência de dano efetivo à incolumidade de outrem. Precedentes.
5. Conforme reconhecido pelo acórdão ora recorrido, o paciente foi surpreendido por policiais militares dormindo dentro do seu veículo, e com sinais claros de embriaguez, logo após ter colidido contra a traseira de um automóvel que estava estacionado. Tais circunstâncias, por certo, denotam que o comportamento do paciente expôs o bem jurídico tutelado, qual seja, a incolumidade pública, a perigo, restando configurada a prática do delito de embriaguez ao volante.
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Por último, temos a terceira pergunta da questão da prova:
3- aplicabilidade da suspensão condicional do processo como alternativa à imposição de pena privativa de liberdade, iniciativa de sua aplicação e natureza jurídica do instituto.
Primeiramente, é perfeitamente cabível a Suspensão Condicional do Processo, porque a pena mínima cominada não ultrapassa a 01(um) ano, nos termos do Art. 89, da Lei do Jecrim.
Quanto à iniciativa, a legitimidade para fins de proposta ao acusado, cabe ao Membro do Ministério Público, exclusivamente. Caso este entenda que o acusado não faz jus, cujo parecer deverá ser fundamentado, o Juiz deverá aplicar, por analogia, o Art. 28 do Código de Processo Penal.
Por fim, gira séria controvérsia quanto à natureza jurídica do instituto da Suspensão Condicional do Processo, defendendo uns pela natureza processual, outros pela sua natureza mista (processual e material).
Argumentam trata-se de natureza processual com fundamento no fato de que visa o instituto sobrestar o processo judicial, ressaltando que não há aceitação de culpa ou imposição de pena.
Visa única e exclusivamente o processo judicial penal, e não a suspensão da pena como ocorre com o “sursis”.
Por outro lado, há quem sustente tratar-se de natureza mista (processual e penal), ou seja, híbrida porque visa, por um lado, suspender a relação processual penal e por outro com a potencialidade de extinção de punibilidade.
Como bem destacam Ada Pellegrini, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes, “tem seu lado processual (porque implica o sobrestamento do feito e tem também sua face penal (porque esse sobrestamento pode levar à extinção da punibilidade)”.
Por ora é tudo, pessoal!
Bons Estudos!