Olá, concurseiros!
Mais uma questão de concurso público para Delegado de Polícia.
Vejamos:
“Pozinho, Marco Nheiro e Dogras, traficantes , membros de uma organização criminosa sediada no presídio estadual de determinada cidade, a pedido e de forma combinada com esta, atearam fogo em um coletivo urbano, em movimento.
O motivo foi a informação de que no interior do ônibus deveriam estar alguns membros de uma facção rival.
Ocorre que, ao perceber que o ônibus estava pegando fogo, o motorista parou o veículo, porém, os passageiros tiveram dificuldade para abandoná-lo, porque as saídas de emergência não abriram.
Além disso, o veículo transitava com muitos passageiros além da capacidade, o que dificultou a evacuação, pelas portas.
Como resultado, das 40 pessoas que estavam no coletivo, 08 morreram carbonizadas , entre estas , 06 indivíduos identificados como possíveis integrantes de uma facção criminosa. 10 pessoas ficaram gravemente feridas, com cortes e queimaduras pelo corpo e outras. 09(nove) com lesões leves.
Posteriormente à tragédia, descobriu-se que as saídas de emergência não funcionaram porque Desliqadus, funcionário da empresa responsável pela manutenção veicular, esqueceu de revisa-las.
Em relação à situação hipotética apresentada acima, redija um texto que apresente a situação jurídico-penal relacionada à conduta dos três traficantes.
Aponte os aspectos doutrinários e jurisprudenciais aplicáveis.”
Inicialmente, Pozinho, Marco Nheiro e Dogras responderão criminalmente por 06(seis) HOMICÍDIOS DOLOSOS QUALIFICADOS CONSUMADOS, previstos no art. 121, §2º, I, III e IV, do CP.
Agiram os meliantes com desígnios autônomos em relação a cada vítima, decorrente de ação planejada e desejada, na forma do Art. 70, 2ª parte, do Código Penal.
Concurso Formal Próprio
Art. 70 – Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade.
Concurso Formal Impróprio
As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.
Parágrafo único – Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código.
Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
Homicídio qualificado
Parágrafo 2° Se o homicídio é cometido:
I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II – por motivo fútil;
III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
Com relação à morte de 02(duas) pessoas não planejadas e desejadas (morreram 8(oito) pessoas, dentre elas 06(seis) da facção criminosa rival), responderão também por HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO, nos termos do Art. 121, § 2º, III e IV, do CP.
No que pertine à morte dessas duas pessoas, não incide a qualificadora do inciso I, pois não houve pedido e planejamento.
De resto, os meliantes responderão pela morte de cada vítima na forma do Art. 70, primeira parte, do código Penal – Concurso Formal Próprio. Aqui, agiram Pozinho, Marco Nheiro e Dogras sem desígnios autônomos, com DOLO DE SEGUNDO GRAU, pois que produziram resultado paralelo ao desejado, o qual foi necessário para realização deste.
A hodierna doutrina, mormente aquela sustentada pelo eminente Cleber Masson, conceitua DOLO DE SEGUNDO GRAU como sendo aquele que, in verbis:
Dolo de primeiro grau e dolo de segundo grau:
O dolo de primeiro grau consiste na vontade do agente, direcionada a determinado resultado, efetivamente perseguido, englobando os meios necessários para tanto. Há a intenção de atingir um único bem jurídico. Exemplo: o matador de
aluguel que persegue e mata, com golpes de faca, a vítima indicada pelo mandante.Dolo de segundo grau ou de consequências necessárias é a vontade do agente dirigida a determinado resultado, efetivamente desejado, em que a utilização dos meios para alcançá-lo inclui, obrigatoriamente, efeitos colaterais de verificação praticamente certa. O agente não deseja imediatamente os efeitos colaterais, mas tem por certa a sua superveniência, caso se concretize o resultado pretendido.
Exemplificativamente, é o que se verifica no tocante ao assassino que, desejando eliminar a vida de determinada pessoa que se encontra em lugar público, instala ali uma bomba, a qual, quando detonada, certamente matará outras pessoas ao seu redor.
Mesmo que não queira atingir essas outras vítimas, tem por evidente o resultado se a bomba explodir como planejado
FERNANDO CAPEZ, por sua vez, assim conceitua DOLO DE SEGUNDO GRAU, in verbis:
Dolo de primeiro grau e de segundo grau: o de primeiro grau consiste na vontade de produzir as consequências primárias do delito, ou seja, o resultado típico inicialmente visado, ao passo que o de segundo grau abrange os efeitos colaterais da prática delituosa, ou seja, as suas consequências secundárias, que não são desejadas originalmente, mas acabam sendo provocadas porque indestacáveis do primeiro evento.
No dolo de segundo grau, portanto, o autor não pretende produzir o resultado, mas se dá conta de que não pode chegar à meta traçada sem causar tais efeitos acessórios.
Exemplo: querendo obter fraudulentamente o prêmio do seguro (dolo de primeiro grau), o sujeito dinamita um barco em alto-mar, entretanto acaba por tirar a vida de todos os seus tripulantes, resultado pretendido apenas porque inevitável para o desiderato criminoso (dolo de segundo grau).
Em regra, esta modalidade consistirá em dolo eventual (não quer, mas também não se importa se vai ou não ocorrer).
Responde por ambos os delitos, em concurso, a título de dolo
Em resumo, segundo LUIZ FLÁVIO GOMES, in verbis:
No dolo de segundo grau, o resultado não diretamente visado é necessário para se alcançar o pretendido. Ou seja, o resultado paralelo é certo e necessário.
No dolo eventual, o resultado paralelo é incerto, possível e desnecessário.
Por fim, responderão, ainda, os infratores por 32(trinta e dois) HOMICÍDIOS QUALIFICADOS NA FORMA TENTADA, nos termos do Art. 121, § 2º, III e IV, c/c art. 14, II, ambos do CP, também em CONCURSO FORMAL PRÓPRIO, praticados com DOLO DE SEGUNDO GRAU, resultado este necessário para se alcançar o objetivo planejado.
Ou seja, mediante uma única ação (atear fogo no coletivo urbano) praticaram dois
ou mais crimes (32 homicídios tentados qualificados), sem desígnios autônomos.
Não se olvide que em relação aos crimes acima mencionados, responderão ainda, em CONCURSO MATERIAL, pelo crime do Art. 2º da Lei nº 12.850/13, tendo em vista que os autores integravam organização criminosa.
Por se tratar de CRIME HEDIONDOS, consumados ou tentados, terá incidência da norma do Art. 1º, I, da Lei nº 8.072/90. Com isso, eventual pena deverá ser cumprida
inicialmente em regime fechado, recebendo tratamento diverso em relação à
progressão de regime, além de outros aspectos na execução penal.
Por fim, não tem relevância alguma a conduta de Desliqadus (funcionário da empresa responsável pela manutenção veicular, esqueceu de revisa-las), por não se tratar de concausa suficiente capaz de afastar o nexo de causalidade entre conduta praticada pelos criminosos e o resultado.
A conduta do funcionário da empresa qualifica-se como CAUSA RELATIVAMENTE INDEPENDENTE, que não causou, por si só, o resultado, nos termos do art. 13, § 1º, do CP.
Fernando Capez, em seu livro, nos ensina, in verbis:
“causa relativamente independente: origina-se da conduta e comporta-se como se por si só tivesse produzido o resultado, não sendo uma decorrência normal e esperada. Tem relação com a conduta apenas porque dela se originou, mas é independente, uma vez que atua como se por si só tivesse produzido o resultado.”
Por ora, é só!
Bons Estudos!